Por Luciana Martins Costa, publicado no Observatório da Imprensa –
Como na famosa peça de Luigi Pirandello, a imprensa brasileira passou o final de semana no papel do diretor de teatro que é abordado por seis personagens em busca de protagonismo. Relegados a segundo plano na disputa por manchetes, políticos e outros fornecedores de declarações perderam espaço para os indicadores da atividade econômica que romperam a tendência de recessão técnica, para os perfis do futuro ministro da Fazenda e até para o obituário do comediante mexicano Roberto Bolaños.
Não deve ser fácil a vida dos personagens da política em busca de um autor. Na falta de ações concretas em seu campo de atuação, precisam permanentemente de um suporte na mídia para não caírem no anonimato.
Como no teatro, esses personagens precisam provar que suas vidas fazem sentido, que não são apenas fruto da invenção de alguém – no caso, do editor – e que aquilo que têm para dizer pode revolucionar a própria realidade. No entanto, só conseguem existir numa realidade relativa. “A verdade, só até certo ponto”, como afirma Pirandello.
Chega a causar constrangimento essa relação de dependência que se cria com o jornalismo declaratório, na qual a versão da história que será registrada pela imprensa depende mais do viés que as redações preferem dar aos fatos do que ao papel que cada um representa nos eventos de interesse público. Em tantos anos dessa convivência viciada, eles se especializaram em produzir frases para serem aproveitadas entre os muitos pares de aspas que congestionam a linguagem jornalística.
Acontece que, eventualmente, o espaço fica curto para incluir tantas vozes. Num final de semana em que se decide o destino de importantes clubes no campeonato nacional, quando o comércio promove sua festa de consumo e quando é preciso interpretar os sinais do mercado diante da escolha da nova equipe econômica do governo, soam patéticas as vozes de políticos que ainda tentam ecoar o resultado da eleição presidencial encerrada mais de um mês antes.
Ainda que um punhado de inconformados tenha voltado a caminhar pela Avenida Paulista pedindo um terceiro turno, o Brasil segue adiante.
Assim é (se lhe parece)
Esse contexto produz um fenômeno interessante, ainda que embaraçoso para seus protagonistas: quem sai às ruas em passeata, levando cartazes com o número do candidato derrotado nas eleições, está rejeitando o resultado democrático das urnas. No entanto, seus discursos e seus slogans falam em defesa da democracia. Por outro lado, o candidato derrotado em cujo nome falam os manifestantes declara aos jornais que seu programa de governo está sendo adotado pela candidata vencedora.
Em torno dessa aparente contradição, a imprensa arma o discurso segundo o qual a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda representa uma guinada na política econômica adotada no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Os textos que desenham o perfil de Levy misturam um pouco de realidade com o desejo explícito das redações, ou seja, apanham a biografia do futuro ministro, que já serviu a governos do PSDB, do PT e do PMDB, e determinam que ele vai dar uma guinada em direção ao mercado.
Acontece, como diria Pirandello, que a verdade nunca se apresenta em sua forma completa, e o público tanto pode aceitar um esboço dela quanto sua conformação acabada, embora, nessa versão final, pouco tenha restado de verdadeiro. Assim é (se lhe parece), diria o autor italiano em outra obra. Porém, ele está sempre a dizer a mesma coisa, ou seja, que damos à realidade uma versão que se conforme com nossa fantasia.
Os analfabetos políticos que desfilaram na Avenida Paulista no domingo (30/11), e que pediam explicitamente a volta da ditadura, foram segregados da passeata principal pela Polícia Militar. Mas não se pode dissimular o fato de que compartilham a matriz ideológica daqueles que não se conformam com a derrota nas urnas. Pedindo o golpe ou defendendo o impeachment da presidente reeleita, são duas faces da mesma moeda reacionária.
A mídia tradicional, de certa forma, se alinha nessa fileira de insensatos, ao tentar impor a versão segundo a qual o PSDB foi derrotado mas sua proposta de política econômica vai triunfar pelas mãos de Joaquim Levy. Trata-se de uma tentativa de enviesar a realidade.
Como diria o comediante mexicano, “sem querer, querendo” a imprensa tenta ganhar no discurso uma eleição que perdeu no voto.