Meirelles e a profecia do caos

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Por Tatiana Carlotti, Carta Maior – 

Meirelles tenta fazer com que a crise política e a pressão popular não prejudiquem a agenda de aussteridade econômica.

Tatiana Carlotti




É cada vez mais explícito, dentro do governo Temer, o abismo que separa os interesses do capital e os da população brasileira. A diferença de tratamento também: aos investidores, especuladores, CEOs, injeções de tranquilidade e a promessa “as reformas irão passar”; à população nas ruas, bombas, porretes, detenções.

Na última semana, enquanto Michel Temer frustrava o país ao bradar “eu não renunciarei”; Henrique Meirelles, o todo poderoso ministro da Fazenda, garantia que, “independentemente de qualquer coisa”, “as reformas sairão” e a “agenda econômica será idêntica”.

Meirelles tenta “tranquilizar o mercado”, “minimizar os ricos”, em suma: fazer com que a crise política e a pressão popular não prejudiquem a agenda de austeridade econômica. Com a catilinária neoliberal na ponta da língua, o ministro não menciona os 10% de aprovação do governo Temer, tampouco sua responsabilidade no irrisório índice.

Sem mídia para cobrar, Meirelles vende aos investidores e ao país que a economia está se recuperando. Daí a importância de declarações como as do presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, para quem os números não indicam melhoria, pelo contrário, “são muito ruins” (leia mais).

Blindagem da mídia

Em relação a Meirelles, a blindagem da mídia vai muito além de uma efetiva cobrança de eficiência ou de um questionamento da agenda de austeridade, mesmo se tratando de decisões que afetarão a vida de milhões de pessoas. Vendido como um antídoto contra o caos, Meirelles é incensado como a “parte boa do governo”.

Talvez isso explique, embora não justifique, por que a imprensa deu pouco destaque à sua posição no conselho da J&F, entre 2012 e 2016, período investigado pela PF. Embora não exista nenhum indício contra o ministro – é bom frisar – a diferença de tratamento da mídia, Rede Globo à frente, foi colossal.

Basta lembrarmos o bombardeio midiático contra outras personalidades públicas envolvidas com empresas, delatores ou criminosos investigados pela PF, sobretudo pessoas que ocupavam cargos decisórios e importantes nessas empresas.

Em “Meirelles era o presidente do JBS e não sabia de nada?”, artigo publicado no GGN, Mauro Lopes faz uma pergunta que os veículos do oligopólio silenciaram: “se Meirelles foi o presidente do grupo entre 2012 e 2016 e não soube que saíram R$ 500 milhões do caixa das empresas, nas mãos de quem está a economia do país?” (leia a íntegra).

Outra reportagem que merece destaque foi a da TV Gazeta, onde o jornalista Rodolfo Gamberini foi taxativo: “qualquer presidente de conselho, mesmo consultivo, sabe o que se passa em uma empresa. Aliás, é essa a sua função. Mas no caso da JBS não. O presidente do conselho não percebeu que a empresa desviou centenas de milhões de reais para corromper”.

Gamberini comenta ainda:

“Quem era o presidente do conselho da J&F, holding da JBS? O banqueiro Henrique Meirelles, hoje ministro da Fazenda que quer reformar a aposentadoria dos outros, mas não a dele que seria de mais de 200 mil reais por mês, paga pelo banco FleetBoston”.
Assista ao vídeo:

Exceções à parte, o ministro manteve-se blindado. Vale lembrar que em julho do ano passado, quando outra empresa da J&F, a Eldorado Celulose, entrou na mira da Lava Jato, Meirelles afirmou ter sido conselheiro de diversas entidades:

“Neste caso, era o conselho consultivo, objeto de consulta. Não tenho mais nada a ver com nenhuma dessas empresas. Em todas fui convidado e aceitei, mas fiz contratos de encerramento” (leia mais).

E não se falou mais nisso.

“Agora é com ele”

Reportagem de março de 2012, publicada na revista Exame, dimensiona o peso da contratação de Meirelles para a holding que, naquele momento, controlava outras seis empresas e tinha uma receita estimada em 65 bilhões de reais.

Apesar disso, a JBS contava com uma dívida de 10 bilhões de reais, suas ações não conseguiam se valorizar na bolsa de valores – neste sentido, a credibilidade de Meirelles contribuiu bastante – e a empresa estava sendo alvo de críticas por ter obtido mais de 5 bilhões de reais em empréstimos do BNDES.

Diante do quadro, à Exame, Joesley afirma: “Agora é com ele [Meirelles]”, acrescentando que o ex-presidente do Banco Central não seria “apenas um consultor”, mas cobraria “resultados dos executivos” e traçaria “estratégias para a expansão do negócio”.

A reportagem, inclusive, questiona por que Meirelles escolheu trabalhar na holding J&F, citando que assim que saiu do Banco Central, o ex-ministro recebeu doze boas ofertas de emprego, entre elas, trabalhar para o Goldman Sachs, com direito à vaga no conselho da matriz do banco, em Nova York.

Meirelles que, segundo a reportagem, receberia um salário anual de até 40 milhões, respondeu: “Quando assumi o BC, o maior desafio do Brasil era a estabilidade econômica. Hoje, é a competitividade das empresas. É aí que eu posso dar minha maior contribuição”.

Para além da participação de Meirelles no conselho das empresas dos irmãos Batista, outra pauta pouco explorada pelo noticiário foram as várias de citações a Meirelles durante a conversa entre Temer e Joesley.

Um diálogo que não o desabona, pelo contrário, exalta a correção do ministro “muito trabalhador” de Temer, mas que deixa patente como se dá a rede de influência e as conversas noturnas de gabinete.

Combinado com a PF, o dono da Friboi gravou sua conversa com o decorativo e citou várias vezes o nome do ministro. Vale ouvir a íntegra e reparar na linguagem, a forma natural como pedidos desta monta são feitos e ouvidos sem reprimenda.

No caso, Joesley pede apoio a Temer para tornar Meirelles mais receptivo em relação aos seus interesses. Lamenta que o ministro se esquiva e pergunta se pode usar a influência do presidente – dizendo que eles haviam conversado – junto ao ministro. Temer confirma: “pode avisar para ele (Meirelles) que (você) tem meu apoio”.

Reformas

Evidente que a diferença de tratamento da mídia em relação a Meirelles diz respeito à função central que o ministro cumpre dentro do golpe. Assim como o mercado, a mídia não é um ser incorpóreo, mas empresas de comunicação que defendem interesses corporativos.

A Meirelles cabe – independentemente do presidente da vez – garantir a aprovação das reformas e a implementação da austeridade. Daí que não espanta ele ter sido cotado como possível substituto do decorativo. Questionado se pretende se candidatar à Presidência, Meirelles não respondeu, apenas sorriu.

Na semana passada, reportagem da Folha apontava como fator positivo à escolha de Meirelles o fato dele “se vender como o ´homem das reformas´” e ter a capacidade de “acalmar o mercado que prevê o Apocalipse a cada crise”.

“Seria impopular, como Temer, mas o mandato é tampão”, afirmava o texto, citando como fator negativo, mas sem problematizar, a participação do ministro no conselho da J&F.

O que espanta é que Meirelles é incensado como uma boa escolha justamente por causa de reformas, contra as quais milhares de brasileiros vêm ocupando as ruas. Reformas que destroem garantias e direitos constitucionais e que drenam recursos essenciais à sobrevivência de milhões de pessoas.

Pelo medo – a ameaça do Apocalipse criado pelo deus mercado – reafirma-se a catilinária neoliberal e se apresenta a ideia de que as reformas afastarão este risco. Quanto aos riscos da fome e da velhice sem direitos, só para citarmos duas ameaças muito concretas, nenhuma linha na imprensa.

O fato é que escorado pelas reformas, o ministro suplica a paciência do mercado.

Foi assim em julho de 2016, quando afirmou sobre a reforma da Previdência: “a expectativa é concluir as mudanças antes de outubro. Espero que seja antes das eleições municipais”.

Foi assim na semana passada, quando a assessoria do ministro divulgou que ele está “trabalhando pela aprovação da proposta” e que “um eventual atraso não fará grande diferença porque o efeito da reforma no país é de longo prazo”.

Bola de Cristal?

O autoritarismo é tamanho que Meirelles começou a profetizar. Disse à Folha, por exemplo, que não enxerga a possibilidade da oposição, contrária às reformas, assumir o poder e mudar o curso da política econômica.

Disse também que embora não tenha os 308 votos para a aprovação da Reforma da Previdência, “a agenda de reformas nesse momento se tornou parte da agenda do Congresso” e que “os líderes mais importantes do Congresso já entenderam que as medidas fiscais têm de ser aprovadas e estamos seguindo adiante”.

Para uma plateia composta de empresários do setor de infraestrutura, Meirelles garantiu a manutenção das reformas: “essa é a agenda econômica independente de qualquer coisa”. E jogou no ar uma metáfora, no mínimo, intrigante: o que interessa são “as correntes profundas”.

Em meio a tanta profundeza, ele ainda afirmou que a agenda econômica vai continuar “independente[mente] de qualquer coisa”. E que “existe uma consciência nacional de que as reformas precisam ser feitas”.

Consciência nacional?

É provável que o ministro da Fazenda tenha ouvido a consciência nacional em Brasília na última quarta-feira (24.05). A reação popular às reformas vem sendo de fundamental importância, bem como a perspectiva de eleições em 2018.

Em entrevista à Folha, o próprio relator da reforma da Previdência, Arthur Oliveira Maia (PPS-BA) mencionou o impacto da aprovação da reforma nas eleições de 2018: “a cada dia que passa, é mais difícil, é mais complicado. O que é difícil hoje será mais difícil daqui a um mês”.

Enquanto isso Meirelles continua repetindo o mantra de que o país está em “trajetória de crescimento” e cantando os louros da aprovação do teto de gastos: “não vamos achar que é pouca coisa a aprovação de teto de gastos. É a primeira vez que se altera a Constituição para isso”.

Se depender das forças progressistas, primeira e última.

Em vídeo de treze minutos, divulgado no youtube, o economista Amir Khair alerta:

“O país não estava melhorando. A gente só começa a melhorar quando a massa salarial começar a crescer e a massa salarial ainda está decrescendo. E do ponto de vista fiscal, está levando cada vez mais a dívida crescer. Nós já nos aproximamos de R$5 trilhões de dívida do país. Isso não pode continuar deste jeito”.

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