Memórias do Morais: a primeira prisão do Zé Dirceu

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Por Fernando Morais, publicado em Nocaute – 

José Dirceu de Oliveira e Silva, o Zé.

O ex-guerrilheiro, ex-líder estudantil, ex-deputado e ex-ministro chefe da Casa Civil foi preso hoje, pela quarta vez.




A primeira prisão do Zé aconteceu em 1968, quando houve o congresso frustrado da UNE em Ibiúna.

Como se sabe, a história é comprida e está todo mundo careca de saber, a UNE (clandestina durante a Ditadura Militar) resolveu fazer um congresso – clandestino – e o lugar escolhido foi Ibiúna, no interior de São Paulo, em um pequeno sítio.

De madrugada o local foi cercado por tropas da Polícia Militar e por policiais do DOPS.

O encarregado de prender o Zé Dirceu era um investigador chamado Herwin de Barros, um investigador civil, conhecido entre a polícia como Brucutu, porque era um cavalão, enorme.

Muitos e muitos anos depois, eu e um amigo comum do Zé Dirceu – Abelardo Blanco – tivemos a ideia de produzir um documentário sobre o Zé e andamos com ele durante algum tempo.

Entrevistamos algumas pessoas que, de alguma maneira, tivessem gravitado na órbita dele ao longo de sua vida política. Foi assim que descobrimos o policial Herwin de Barros, o Brucutu.

E o Brucutu, que acabou fazendo as pazes com o Zé Dirceu e era grandalhão mesmo, nos contou uma história inacreditável – essas imagens estão em algum lugar e algum dia vão passar aqui pelo Nocaute antes de ir para Casa de Mariana.

O Herwin nos contou, diante das câmeras, que ele chegou com a tropa do DOPS, em Ibiúna, com ordens para matar o Zé Dirceu.

Segundo ele – anotei em um pedaço de papel para não errar – “eu tinha ordens emanadas pela CIA para assassinar o Zé Dirceu – e eu não cumpri isso”.

O que aconteceu? Ele apareceu – como vocês podem ver nessa primeira foto de época – armado com uma carabina calibre 12 e com uma pistola na cintura. Ele não conhecia o Zé Dirceu, haviam dado para ele algumas fotos de manifestações, fotos feitas com teleobjetiva, à distância, e ele imagina que iria encontrar um ogro, um huno.

Na hora que alguém disse pra ele: “o Brucutu, olha o seu cara lá, o Zé Dirceu”. E ele com a 12 na mão – que aparece na foto seguinte, também já dentro do carro – na hora que ele vê o Zé Dirceu ele toma um susto. Ele nos conta que tomou um susto, porque ele achou que iria encontrar um homão, um guerrilheiro barbudo, fardado e armado, e deu com um moleque, mais novo do que ele, com uma barbinha muito vagabunda no pé do queixo.

Ele falou: “Não posso dar um tiro nesse cara. Não posso matar um menino com um tiro de 12, com um tiro de pistola. Mas eu não posso deixar ele fugir, se não eu vou estar salgado”.

Ele olhou para o chão, já era de madrugada, o dia estava começando a amanhecer, no meio do terreno baldio, procurando um porrete, um pedaço de pau para ameaçar o Zé. Para dizer: “Olha ou você se entrega pra mim ou eu vou te dar um tiro”.

Na verdade ele estava ali pronto para dar uma porretada, se fosse o caso. Mas não havia porrete, não tinha pedaço de pau, não tinha nada no chão.

O que ele faz? Ele baixa os olhos e encontra, enterrado no meio da lama, essa ancinho de jardim. Ele pega o ancinho e vai pra cima do Zé, com a carabina em uma mão e o ancinho na outra e diz: “Ee você não se entregar eu te dou com esse ancinho na cabeça”.

Apavorado com aquilo, o Zé acabou se entregando.

Essa terceira foto em que o Herwin – que faleceu há pouco tempo, eu soube há poucos dias – já depois de passado todo esse tempo localizou o Dirceu, se aproximou, ficou amigo do Zé Dirceu.

Ele fez curso de direito, virou advogado, teve a carreira na polícia escangalhada por causa do Zé Dirceu, por não ter matado o Zé Dirceu. E porque usou esse ancinho – que o próprio Herwin me deu de presente – e que está hoje aqui no Nocaute.

Esse ancinho vai para Casa de Mariana, uma lembrança do dia em que o Zé Dirceu não conseguiu escapar da sua primeira prisão.

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