Menino de 4 anos veste uniforme com saudades da escola

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Por Litza Mattos* Lição de Casa, compartilhado de Projeto Colabora – 

Com Belo Horizonte ainda sem previsão de volta às aulas, fonoaudióloga inclui filhos na rotina de tarefas domésticas




Raul e Luisa compartilham mesa para fazer atividades escolares: transtorno na rotina com aulas suspensas desde março (Foto: Arquivo Pessoal)

Raul pega o uniforme, veste e pede para ir para a aula. O menino, de 4 anos, aprendeu a andar e comer na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Vila Conceição, e é apaixonado pelo lugar. “Ele sabe o caminho, sabe o nome do porteiro, da diretora, conhece todas as professoras”, afirma a mãe, Franciene Lená Assunção, de 39 anos. A falta de contato com amigos e familiares é o mais difícil para Raul e sua irmã, Ana Luisa, de 6 anos, neste período longe da escola devido ao novo coronavírus.

“Eles pedem para voltar, estão sentido falta de estar com outras crianças”. A unidade em que Raul estuda fica na Favela da Serra, a maior de Belo Horizonte – com cerca de 50 mil habitantes, considerada uma das maiores do Brasil. Ana Luisa também estudava lá até o ano passado. “Neste ano, minha filha foi para a escola particular, porque não consegui vaga na pública”, lamentou Franciene.

A experiência com a Emei foi tão boa com a filha mais velha que os pais fizeram questão de colocar o caçula lá, ainda que a inserção do menino na vida escolar fosse motivo de apreensão. É que Raul foi um bebê prematuro e, em consequência disso, uma criança que precisa de mais cuidados. Sempre teve muitas alergias. “Tive um pouco de insegurança, mas sempre pensei na possibilidade de apoiar o ensino público”, afirmou a mãe.

E não se arrependeu. Franciene conta que antes de as aulas de Raul começarem, ela foi chamada na Emei para uma primeira reunião e as professoras anotaram a lista das alergias que o garoto tinha. “Depois, a prefeitura me telefonou, para dizer que eles iam comprar e fornecer o leite que ele toma na escola. Fiquei apaixonada com o cuidado”.

Tarefas domésticas para controlar agressividade

Antes da pandemia, Raul estudava em período integral, das 7h às 17h. Com o isolamento social, a família se viu obrigada a fazer uma série de adaptações na rotina. “Vi que as crianças precisariam se movimentar e ter compromissos”, disse Franciene, que estabeleceu responsabilidades na casa para todos. Amarrar o saco de lixo do banheiro e levar para a área, dobrar as roupas, lavar o box e a cozinha são algumas das atividades divididas.

“No início foi muito assustador”, lembra a mãe. “O Raul tem bronquite crônica, é do grupo de risco. Ficou até agressivo”. O pai dos meninos, Lucas Santos Vieira, de 39 anos, é motorista e continuou trabalhando normalmente durante esses meses de pandemia. Quando tem um intervalo, vai em casa e cuida das crianças.

Franciene ficou 40 dias sem trabalhar, e depois conseguiu adaptar a rotina da profissão de fonoaudióloga ao trabalho remoto. “O atendimento remoto veio para me ajudar e diminuir os gastos com o consultório”. Apesar do receio com o marido se expondo diariamente nas ruas, e com a renda familiar reduzida, Franciene se sente privilegiada por ainda conseguir trabalhar e ficar com os filhos em casa. O apartamento é pequeno, principalmente se comparado à Emei. “Lá, ele (o filho) andava de velotrol e de repente ficou trancado”.

A família recebe a cesta básica que é oferecida pela Prefeitura de Belo Horizonte desde abril. Até julho, o município já havia distribuído quase 1 milhão de cestas para alunos da rede pública e pessoas em vulnerabilidade econômica e social na pandemia. A medida foi prorrogada, considerando a impossibilidade de retorno das aulas e de algumas atividades econômicas. Belo Horizonte ainda não tem previsão de volta às aulas: a prefeitura suspendeu o alvará de funcionamento de todas as escolas – inclusive estaduais e particulares – no município.

Raul com a irmã na escola de educação infantil em Belo Horizonte antes da pandemia: saudade da aulas (Foto: Arquivo Pessoal)
Raul com a irmã na escola de educação infantil em Belo Horizonte antes da pandemia: saudade da aulas (Foto: Arquivo Pessoal)

Mais ou menos a cada 20 dias, a Emei Vila Conceição envia vídeos das professoras contando historinhas, como a do “bichinho do corona”, ou fazendo visitas em espaços da escola, filmando as salas e o parquinho. Esse tem sido o único contato com os alunos desde março. Em julho, a instituição procurou as famílias para enviar um questionário sobre a volta às aulas.

Ainda hoje, a mãe conta que Raul está impressionado com toda a situação, e põe a máscara sozinho quando abre a porta. A filha de 6 anos está tendo aulas remotas diariamente, e Franciene precisou se organizar para acompanhar as atividades com ela também. Para amenizar o tempo ocioso de Raul, ela reservou até um horário para o menino poder rabiscar uma parte da parede. “Parece uma bobagem, mas faz ele distrair e sair da TV, que estava aumentando a irritabilidade”.

Mesmo com o problema respiratório do filho, Franciene acredita que seria possível para as crianças voltarem a frequentar a escola e pondera ainda a situação de outras famílias. “Algumas mães precisam da escola. A maioria é mãe solteira que precisa desse apoio para voltar a trabalhar”, comentou.

Professora da rede municipal de Belo Horizonte, Alana Araújo concorda que os professores e a escola estão preparados para voltar às aulas, mas pontua que essa retomada das atividades depende da decisão de órgãos superiores e de medidas sanitárias. “É difícil dizer quando iremos voltar, mas já posso imaginar as crianças alegres em rever os colegas, entusiasmadas com as brincadeiras e atentas à contação de história”, prevê Alana.

Há sete anos ela trabalha como docente, e pela primeira vez ficou tanto tempo longe do contato diário com a escola. A saudade dos alunos tem sido difícil. Além de ser um lugar importante na vida de todos, de aprendizado fundamental, Alana ressalta que, na escola, “criam-se vínculos afetivos e trocas de experiências que agregam valor ao processo estudantil e à construção de cidadãos com pensamento crítico”.

*Lição de Casa

Foto: Raul e Luisa compartilham mesa para fazer atividades escolares: transtorno na rotina com aulas suspensas desde março (Foto: Arquivo Pessoal)

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