Menores de 18: Com discernimento, mas sem direitos?

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Por Marcelo da Silveira Campos e Ana Claudia Cifali, em Brasil Debate – 

A opção de definir a idade penal aos 18 anos foi a de dar aos jovens uma chance, reconhecendo-os como sujeitos em desenvolvimento. O que está em jogo não é se têm ou não discernimento, mas se devemos puni-los como adultos ou apostar neles

Por 21 votos contra 6, foi aprovado, em 17 de junho, o relatório do deputado Laerte Bessa (PR-DF) na comissão especial que analisava a Proposta de Emenda à Constituição n° 171 de 1993 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Muito já se falou sobre tal reforma legislativa, porém, mostra-se essencial reafirmarmos novamente o seguinte: adolescentes cometem uma pequena parcela de crimes violentos.

Conforme demonstram as informações levantadas pela Secretaria de Direitos Humanos e analisadas pelo IPEA em recente nota técnica, as infrações patrimoniais e o tráfico de drogas constituem os principais delitos praticados pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade nos últimos três anos.




Em 2012, esses atos infracionais alcançaram, aproximadamente, 70% do total e, em 2013, cerca de 67%. Por sua vez, os delitos considerados graves, como homicídios (8,39%), latrocínio (1,95%) e estupro (1,05%) alcançaram 13,5% em 2012 e, em 2013, houve uma queda para 12,7%.

Além disso, grande parte da literatura sobre o tema aponta que as taxas de atos infracionais registrados têm, na verdade, caído significativamente quando em comparação aos crimes, o que se coaduna com os números acima apresentados.

Ainda, se analisarmos as justificativas da PEC n° 171/93 e das 37 propostas apensadas, fazendo uma análise comparativa, chegaremos a uma rápida conclusão: um dos principais argumentos de quem é a favor da redução da maioridade penal consiste em assinalar que os adolescentes, hoje, “amadurecem” mais cedo e, por isso, teriam plena consciência da ilicitude dos atos que porventura possam vir a cometer, o chamado discernimento. Passou da hora de problematizarmos tal argumento.

No último século, a infância e a adolescência foram distinguindo-se cada vez mais marcadamente com relação à idade adulta. Com o passar do tempo, foi-se fazendo mais tardio o acesso ao trabalho e à formação, o que se relaciona com a necessidade de maior formação educativa e consolidação de inúmeros direitos, próprios à infância e à adolescência.

Este fenômeno, chamado de “moratória social”, é como um prazo que as famílias e o Estado dão aos mais jovens para que possam se formar e atuar como sujeitos de direitos na sociedade. Tal processo, ocorrido nas últimas décadas, trouxe consigo uma progressiva diminuição da violência e a proteção dos mais jovens por meio de diversos documentos internacionais.

Vale lembrar, portanto, que, em termos materiais, nem todas as famílias podem oferecer a seus filhos o referido “tempo de desenvolvimento” até os 18 anos, motivo pelo qual, evidentemente, não podemos olvidar as desigualdades sociais que impedem a muitos desses jovens o acesso a direitos e redes de proteção social.

Atualmente, diversas crianças e adolescentes estão imersos num processo da “criança sem infância”, e suas vidas são diariamente prejudicadas pela fragilidade no acesso aos seus direitos mais básicos.

Ademais, destaca-se que as ações realizadas na adolescência implicam processos psicossociais diferentes dos que se produzem no sujeito adulto. A adolescência é um momento do desenvolvimento humano em que a família e as instituições da sociedade fazem um papel fundamental para a formação de uma cidadania plena.

Por isso, recomendações de organismos e pactos internacionais, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, entidades profissionais e saberes de diversas ciências indicam que os adolescentes até os 18 anos são sujeitos em desenvolvimento e, por tal razão, recomendam a existência de um sistema de justiça especializado para processar, julgar e responsabilizar jovens autores de delitos.

O fato de existirem meios distintos de punição para adolescentes e adultos não significa que os primeiros não tenham consciência de suas condutas e que não sejam responsabilizados por elas. Inimputabilidade é diferente de impunidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas de responsabilização de jovens por infrações à lei, sendo a privação de liberdade uma delas, chamada de internação. Ainda, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a possibilidade de aplicação de sanções a partir dos 12 anos de idade, configurando um dos países mais severos do mundo em termos de punição.

A opção que se fez ao definir a idade penal aos 18 anos foi uma: dar aos jovens uma chance, reconhecendo-os como sujeitos em desenvolvimento. A questão, então, não diz respeito ao discernimento, o que está em jogo é: devemos puni-los pior – pois já são punidos no sistema atual – ou, pelo contrário, vamos apostar neles.

A fragilidade da técnica legislativa, que parece perceber a legislação penal como uma varinha mágica, capaz de solucionar os conflitos sociais sem a necessidade de transformações profundas nos planos econômico, social e cultural, assim como a utilização do direito penal como instrumento simbólico, para reduzir momentaneamente o sentimento de insegurança da população, geram um círculo vicioso de criminalização, exclusão, violência e medo.

Longe de resolver os problemas da criminalidade, esta política criminal irresponsável pode incrementá-los, passando a fazer parte daquilo que pretendia resolver. Como já foi afirmado pela UNICEF: “Estamos diante de um grave problema social que, se tratado exclusivamente como caso de polícia, poderá agravar a situação de violência no País.”

Reconhecemos a necessidade de reduzir o número de homicídios no Brasil. Porém, alertamos que esta medida não é capaz de atingir o objetivo almejado, ou seja, a redução da violência letal, cujas maiores vítimas, aliás, são os jovens, especialmente a juventude negra.

Por tais motivos, se o objetivo realmente é reduzir a prática de delitos cometidos por adolescentes, deveríamos tratar de assuntos – rotineiramente deixados de lado – como a exclusão social, o aumento da população prisional a cada ano, a ausência de proteção e a desigualdade em termos de direitos a que estão submetidos esses jovens, para que seja possível o desenvolvimento de estratégias de ação e políticas públicas para a juventude.

Enfim, para que não tenhamos que reconhecer os adolescentes como pessoas com discernimento somente após o cometimento de um ato infracional.

Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil

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