Por Kiko Nogueira, publicado em DCM –
A documentarista Alice Riff foi enviada a Melgaço, no Pará, a cidade com o mais baixo IDH do Brasil, para relatar o impacto do programa Mais Médicos sobre a população.
Antes, dois profissionais se revezavam ali. Cada um deles permanecia 15 dias e era com isso que os 25 000 moradores podiam contar.
Alice e o câmera Thiago Carvalhaes fizeram 3 horas e meia de voo entre São Paulo a Belém e encaram outras 12 de barco até o lugar.
Durante oito dias, Alice falou com mais de 50 pessoas, do prefeito aos locais, e acompanhou o cotidiano da Unidade Básica de Saúde, UBS. Thiago de Luccia, médico de familia e comunidade, os acompanhou.
O trabalho de duas médicas cubanas, Maribel Herrera e Maribel Saborit, (as “Maribeis”) foi seguido de perto. Com 20 anos de experiência, elas estiveram em outros países, dentre eles a Venezuela.
Deixaram marido e filhos em Cuba e falaram da falta que sentiam deles. Contaram do apreço pelo trabalho que desenvolviam.
Fafá de Belém, que depois seria engolida pela imbecilidade coletiva do golpe, deu seu depoimento sobre a melhoria na vida das crianças da região.
Alice escreveu um pequeno diário sobre sua experiência no DCM. “As esquinas são depósito de lixo e o esgoto corre na frente das casas”, relatou.
Alguns trechos são reveladores da importância do programa — e da irresponsabilidade estúpida de Bolsonaro. Não há plano B.
Alguém consegue imaginar os doutores que foram às ruas de jaleco e nariz de palhaço contra o “comunismo” dando atenção a populações ribeirinhas?
Os mesmos que vazaram os exames de Marisa Letícia, que estava morrendo numa UTI?
Eis as Maribeis, segundo Alice:
Na segunda-feira acordamos e fomos à UBS (Unidade Básica de Saúde) para nos encontrar com os cubanos.
Eram 8 da manhã e o posto já estava cheio de gente, principalmente mulheres e crianças.
Acompanhamos alguns atendimentos de duas médicas cubanas, Maribel Herrera e Maribel Saborit.
A principal queixa que escutamos dos pacientes durante a manhã foi diarreia. Outra boa parte dos atendimentos eram pré-natal para gestantes.
É notável o número de mulheres grávidas que se vêem pela cidade (…)
Maribel Herrera e Maribel Saborit estão há quatro meses em Melgaço. Toda a cidade conhece as cubanas. Sabem onde elas moram, as cumprimentam nas ruas.
As “Maribeis” nao se conheciam antes de chegar aqui e agora dividem uma casa bem ajeitadinha, que fica em uma vila. Uma sala com cozinha integrada, a bandeirinha de Cuba no centro da mesa, e dois quartos, um para cada.
As janelas estão sempre fechadas com o ar condicionado ligado, para aguentar o calor. Acabo de ver a temperatura: 36 graus.
Fui tomar um cafezinho na casa das Maribeis agora à tarde. As duas sofriam com a conexão de Internet – eu mesma já desisti. Tenho usado somente o telefone e as mensagens de texto. A internet é lentíssima, quase insuportável. Mas as duas eram persistentes. É o principal meio de comunicação. Elas disseram que 2 minutos de ligação para Cuba por telefone custam 10 reais, então ligam muito pouco.
Enquanto uma Maribel tentava enviar um email e me mostrar uma foto no Facebook, a outra preparava um café. “Forte. Aqui o café que eles tomam parece àgua quente com sabor de café. Não gostamos”. Concordei com elas. Estava com saudade do café forte…
Perguntei das comidas e elas disseram que, em geral, há tudo de que gostam, mas nenhuma das duas incorporou no dia a dia o açaí com farinha.
Completado um ano no Brasil, elas terão um mês de férias em Cuba. Conversando com elas sobre as famílias, percebi o quanto estão isoladas e o quanto acreditam no que estão fazendo. Não só as médicas, mas seus maridos e filhos, que as incentivaram.
Sempre com um sorriso no rosto, as Maribeis já me disseram algumas vezes da satisfação que é para elas contribuir com a saúde de um dos municípios mais pobres do Brasil e assim também contribuir com a saúde cubana.
E que a saudade é grande, mas a missão delas é maior.
Na foto da capa: Maribel Herrera e Maribel Saborit, médicas cubanas em Melgaço, no PA