Por Dimalice Nunes, publicado em Carta Capital –
O ministro das Comunicações, André Figueiredo, mantém para 2018 o desligamento total da TV analógica e espera para 2020 a chegada do 5G
Pouco mais de dois meses após assumir o comando do Ministério das Comunicações, André Figueiredo está confiante. A despeito dos cortes orçamentários do governo federal, o ministro mantém a expectativa de lançar em breve o Programa Banda Larga para Todos, que tem o objetivo de democratizar o acesso à internet. A conta total seria salgada, cerca de 27 bilhões de reais, mas levaria internet a 95% da população brasileira.
Mas não basta apenas ampliar o acesso, é preciso prezar pela qualidade. Para isso, o ministro conta em entrevista à CartaCapital que técnicos brasileiros participam ativamente na União Internacional de Telecomunicações (UIT) do desenvolvimento da tecnologia 5G, que deverá estar pronta até 2020 para atender às novas demandas de uso, como alta taxa de dados, requisitos de qualidade, grande número de dispositivos conectados e aplicações de baixa latência (maior rapidez) e alta confiabilidade.
Figueiredo também falou sobre a necessidade de se discutir a relação entre as operadoras de telefonia e os serviços OTTs (Over the Top), como Netflix e WhatsApp. O ministro acredita na busca de equilíbrio entre os dois segmentos, mas sem ferir os princípios de neutralidade da rede, garantidos pelo Marco Civil da Internet.
Leia os principais trechos da entrevista:
CartaCapital – O Ministério prevê concluir o desligamento da TV analógica até 2018, mas o processo foi adiado na cidade de Rio Verde, escolhida para a ser a primeira a ter a TV analógica desativada. A meta está mantida? Em que nível o País está de fato preparado para a TV digital?
André Figueiredo – A meta de 2018 está mantida, até porque temos o compromisso de liberar a frequência de 700 MHz para as empresas que adquiriram o direto de uso dessa frequência prestarem o serviço de banda larga móvel. Todas as ações estão sendo tomadas para que o País possa fazer a transição sem que os consumidores da TV aberta tenham qualquer prejuízo.
CC – O Ministério também prevê concluir em até quatro anos a migração total das rádios AM para FM. Isso será possível?
AF – Será possível, sim. A maior parte do País já possui os canais disponíveis e só há escassez em grandes cidades. Dentro do planejamento, especialmente nos grandes centros, onde há maior congestionamento de espectro, o fim das transmissões analógicas de televisão liberará os canais 5 e 6, permitindo o uso estendido da faixa de FM.
CC – Quais os benefícios para as rádios e para a população?
AF – Primeiro, a percepção de qualidade de som, já que a faixa AM é suscetível à interferências, dando aquela sensação de chiado. De outro lado, os smartphones já estão preparados para receber o sinal de FM sem utilização do pacote de dado, o que trará ao ouvinte mais facilidade e economia.
CC – Pouco tem se ouvido falar sobre o Plano Nacional de Banda Larga, considerado prioridade do ministério. Por que a responsabilidade acaba ficando mais nas mãos das operadoras do que nas do setor público?
AF – A política de expansão do acesso à banda larga é uma das prioridades do Ministério das Comunicações. O serviço tem crescido, nos últimos anos, em função da competição vigente no setor, liderada pela iniciativa privada e potencializada pelo poder público por meio de uma série de medidas viabilizadas pelo Programa Nacional de Banda Larga. Essa política estimulou a implantação do 4G, a expansão das redes de transporte de longa distância, que está em andamento, e o lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas, em 2016.
CC – Qual a expectativa do governo para a inclusão digital via banda larga e quanto já foi e será investido para democratizar o acesso?
AF – O próximo passo da evolução do acesso à banda larga deve passar pela conjugação de esforços entre o Estado e a iniciativa privada. Com esse intuito, o Ministério das Comunicações e a Presidência da República estão concluindo a definição das metas e valores de investimento associados ao Programa Banda Larga para Todos, que será lançado em breve.
CC – Ainda sobre banda larga, quais são os avanços do País para a implantação do 5G?
AF – O 5G está em discussão na União Internacional de Telecomunicações (UIT), onde serão definidos os objetivos gerais referentes ao desenvolvimento da tecnologia para 2020. A tecnologia visa aprimorar a estrutura para suportar as novas tendências, que incluem altas taxas de dados, requisitos de qualidade de serviço mínimos, um grande número de dispositivos conectados e aplicações de baixa latência (maior rapidez) e alta confiabilidade.
CC – Como estão as conversas com a União Europeia para uma cooperação neste sentido?
AF – Na Conferência Mundial de Radiocomunicação de 2015 (CMR-15), que acabou de ocorrer, foram definidas subfaixas de frequências entre 24 e 88GHz a serem prospectadas, nos próximos quatro anos. No próximo evento, em 2019, serão identificadas quais faixas serão utilizadas.
O Brasil tem participação atuante dentro do ecossistema mundial do 5G em regulamentação, desenvolvimento e padronização. Assim, estamos buscando acordos de cooperação com vários países, não apenas a União Europeia, mas também com a Coreia do Sul e Japão.
CC – O Ministério das Comunicações lançou recentemente consulta pública para debater e atualizar o Marco Regulatório de Telecomunicações. Quais as expectativas do governo e quais são os pontos prioritários para a modernização do atual marco?
AF – A última grande revisão do marco normativo das telecomunicações se iniciou há 20 anos, quando a Emenda Constitucional nº 08 abriu espaço para a privatização do Sistema Telebrás e para a criação da Anatel. Naquele momento, a grande prioridade do país era a universalização da telefonia fixa.
A Lei Geral de Telecomunicações foi uma legislação extremamente inovadora na época e garantiu resultados expressivos. Entretanto, é preciso reconhecer que a demanda social hoje é pelos diferentes serviços que permitem o acesso à internet em banda larga. A discussão proposta na consulta pública tem o objetivo de dar ênfase à banda larga. Estruturamos o processo em diferentes eixos temáticos, nos quais buscamos insumos da sociedade sobre temas como o objeto da política pública, os mecanismos de financiamento da universalização, as características da concessão e a dicotomia regime público versus regime privado.
CC – Um assunto sensível no setor são os provedores de serviços OTTs, como Netflix. Como está o debate sobre uma possível regulação do segmento?
AF – Não há dúvidas de que os novos modelos de negócios que surgem na internet geram forte pressão sobre as empresas de telecomunicações, principalmente em função do aumento exponencial do volume de dados. Os serviços audiovisuais sob demanda, em especial, consomem banda com baixa latência (maior rapidez), e isso exige das empresas de telecomunicações investimentos na expansão e aprimoramento de suas redes.
Acreditamos que é preciso buscar um equilíbrio entre esses dois segmentos. De um lado, preservar os incentivos à inovação e à competição na internet que decorrem justamente do ambiente de liberdade e de desregulamentação desse meio. Do outro, deve-se trabalhar para identificar em quais situações há assimetrias regulatórias ou tributárias entre agentes que prestam serviços semelhantes e, se for o caso, adotar medidas para redução de tais assimetrias. Portanto, é uma discussão que precisa ser realizada de maneira cuidadosa, sempre tendo em vista aspectos competitivos, de consumidores e de inovação.
CC – Alguns especialistas afirmam regulação feriria a neutralidade da rede, garantida pelo Marco Civil da Internet. Como o senhor vê a questão?
AF – Trata-se de princípio já consagrado no Marco Civil da Internet e não há que se cogitar qualquer regulamentação que venha ferir esse princípio.
CC – Do lado das operadoras, discute-se isonomia de competição com serviços da internet, especialmente com o WhatsApp, inclusive com a redução de banda para o uso de aplicativos, o que fere a neutralidade. Como estão as discussões com as empresas e como o governo se posiciona na questão, já que parece não haver consenso nem mesmo entre as empresas, que às vezes liberam o uso dos aplicativos em suas estratégias comerciais?
AF – É preciso que fique claro que qualquer discussão sobre isonomia de competição entre serviços de telecomunicações e serviços de internet deve respeitar a neutralidade de rede. Esse é um princípio explicitamente enunciado na Lei 12.965, o Marco Civil da Internet, onde é estabelecido que a discriminação ou degradação de tráfego somente pode ocorrer no caso de serviços de emergência ou quando for um requisito técnico indispensável à prestação adequada dos serviços e aplicações.
Por outro lado, é verdade que as empresas de telecomunicações têm uma relação dúbia com as que prestam serviços virtual. Algumas entendem que há uma relação de complementaridade entre esses dois mundos e acabam desenvolvendo relações de parceria, acreditando que estratégias conjuntas promoverão maior consumo de dados e maior fidelização de seus clientes. Outras enxergam as OTTs como concorrentes diretas, que canibalizam os serviços tradicionais e que deveriam ser reguladas de maneira mais intensa. Portanto, são questões ligadas à estratégia comercial e à visão de futuro das empresas de telecomunicações, que o próprio mercado deve encontrar um ponto consensual.