Mesmo com crises, Argentina ainda mantém índices de educação, saúde e igualdade melhores que os brasileiros

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, publicado em BBC News – 

Bandeira argentina
Mesmo com sucessivas crises econômicas, Argentina ainda tem alguns indicadores sociais em nível maior que o Brasil

E os argentinos ainda têm na memória a crise aguda de 2001, a pior de sua história, quando um congelamento bancário de bilhões de dólares (o “corralito”) gerou corrida aos bancos, rebeliões populares e conflitos que deixaram dezenas de mortos.

A despeito do cenário de crises econômicas ainda mais profundas que as brasileiras, o país vizinho permanece à frente do Brasil em muitos (embora não todos) indicadores sociais importantes, em áreas como desenvolvimento humano, educação e saúde.

O que explica essa diferença social? E ela está a perigo, sob o impacto cumulativo de tantos anos de problemas econômicos?




Primeiro, vamos aos números.

IDH melhor

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pela ONU a partir de um conjunto de indicadores socioeconômicos, foi de 0,825 na Argentina em 2018, contra 0,759 no Brasil (quanto mais perto de 1 o IDH, melhor é o desenvolvimento do país).

Segundo os parâmetros do Banco Mundial, 0,4% da população argentina vivia com até US$ 1,90 por dia em 2017. No Brasil, esse índice era de 4,8%.

gráfico indicadores

A expectativa de vida de um argentino ao nascer é de 76,7 anos, um ano a mais do que a dos brasileiros.

Para Marcio Bobik, professor de economia latino-americana na Faculdade de Economia e Administração da USP em Ribeirão Preto (SP), trata-se mais de um grande fracasso brasileiro do que de um êxito argentino.

“A Argentina, a despeito de suas crises, de fato tem indicadores de saúde, educação e distribuição de renda bem melhores, embora eles tenham se reduzido por causa da crise permanente. Mas é porque os indicadores do Brasil são muito ruins”, afirma à BBC News Brasil.

“O Brasil tem um PIB maior e uma economia muito mais diversificada, mas índices muito ruins de pobreza e uma das piores distribuições de renda do planeta, o que reflete em seu IDH.”

Ele lembra, por exemplo, que o PIB per capita argentino é bem maior do que o brasileiro: o equivalente a US$ 14.402 (cerca de R$ 55,6 mil) em 2017, em comparação com US$ 9.821 (quase R$ 40 mil) no Brasil.

“Mesmo aos trancos e barrancos, a distribuição de renda argentina se manteve melhor que a nossa ao longo do tempo”, diz Bobik.

Saúde

Assim como o Brasil, a Argentina tem graves problemas sociais, muito a avançar e não figura internacionalmente entre os países de maior desenvolvimento. No entanto, ainda colhe alguns frutos de seu passado mais próspero – o país foi um rico polo exportador e entreposto comercial no século 19 e início do 20, gerando um setor agropecuário bastante produtivo e um nível relativamente alto de renda, relata Bobik. “Mas é também um país de muitas contradições e histórico de populismo.”

Hospital argentino, em foto de arquivo
Hospital argentino, em foto de arquivo; país tem maior proporção de médicos

Da mesma forma, o Brasil ainda lida com as dificuldades decorrentes de seu tamanho continental (e discrepâncias regionais), além de seu passado escravocrata, que geraram enormes disparidades sociais e de renda.

Isso se reflete, por exemplo, em indicadores ligados à saúde.

A taxa de mortalidade infantil dos vizinhos é de 9,9 bebês a cada mil nascidos vivos, contra 13,5 entre bebês brasileiros, segundo o Pnud (Programa da ONU para o desenvolvimento).

Quase 95% da população argentina têm acesso à rede sanitária, índice parecido na área urbana e na rural. No Brasil, o índice geral é 86%, que cai para 58% na área rural (dados de 2015 da OMS e da Unicef). Menos da metade do esgoto brasileiro é tratado.

A densidade de médicos por 10 mil habitantes é extremamente alta na Argentina: 39,6 em 2017, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, é de 21,5, segundo dados de 2018.

Ao mesmo tempo, a crise argentina tem cobrado seu preço da população mais vulnerável. A incidência de subnutrição de 2015 a 2017 foi de 3,8% da população, segundo a agência de alimentos da ONU. O índice é maior do que o brasileiro (2,5%). Hoje, quase a metade das crianças argentinas está na pobreza, adverte o Unicef.

Criança argentina
Argentina tem visto mais subnutrição e mais crianças em situação de pobreza

Educação

A Argentina tem praticamente toda a sua população acima de 15 anos alfabetizada, índice que é de 93% no Brasil – o que resulta, aqui, em mais de 11 milhões de jovens e adultos analfabetos.

E nossos vizinhos já nascem com a probabilidade de ter dois anos a mais de estudos: enquanto a expectativa de escolaridade média brasileira é de 15,4 anos, lá é de 17,4.

Embora o Brasil se saia melhor em atendimento escolar à primeira infância (tem uma quantidade maior de crianças de 2 e 3 anos matriculadas em creches), a Argentina tem um percentual superior de crianças matriculadas na educação básica e também de pessoas formadas em cursos superiores, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Banco Mundial.

O Pisa, exame internacional promovido a cada três anos pela OCDE, costuma ser o melhor indicador para comparar desempenho educacional entre países, por avaliar a competência de jovens de 15 anos em Leitura, Ciências e Matemática. Mas no caso da Argentina é preciso fazer uma ressalva: como as amostras do país inteiro foram consideradas pouco confiáveis no exame de 2015 (o mais recente com resultados divulgados), foram validados apenas os resultados referentes à capital de Buenos Aires. E eles foram bastante superiores aos do Brasil.

Os jovens portenhos tiveram nota geral de 475 no Pisa, contra 401 do Brasil (para efeito comparativo, a líder do ranking, Cingapura, fez 556 pontos). Enquanto os portenhos pontuaram 456 na prova de Matemática do Pisa, os jovens brasileiros pontuaram 377.

Sala de aula
Argentinos têm, em média, mais tempo de escolaridade que brasileiros

“No Pisa anterior, de 2012, a Argentina sofreu uma queda e ficou atrás do Brasil, o que foi atribuído a um período de enfoque inadequado no ensino”, explica Claudia Costin, que foi diretora de Educação do Banco Mundial e hoje comanda o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV Rio.

“No Pisa 2015, a amostra de Buenos Aires se mostrou confiável (ao contrário da amostra do país inteiro) e apontou avanço nas três áreas avaliadas – Leitura, Ciências e Matemática. Houve mais ênfase (na educação do país) em formação técnica, alfabetização e formação de diretores escolares. Ao final deste ano, com a divulgação dos resultados do Pisa 2018, saberemos se essa evolução é sólida e se se estendeu ao restante do país.”

Costin explica que Brasil e Argentina têm alguns problemas em comum na educação – por exemplo, uma formação de professores muito distante da realidade em sala de aula -, mas o país vizinho tem um histórico muito mais sólido de políticas educacionais.

Essas políticas remetem ao século 19, o período áureo argentino, no governo de Domingo Sarmiento (1868-74), que vislumbrou um sistema de educação pública e de qualidade como forma de promoção da igualdade e do crescimento.

“Em seus seis anos de mandato presidencial, foram criadas 800 escolas, que passaram de 30 mil alunos para 100 mil”, explicou, em artigo de 2015, o historiador argentino Alejandro Gómez.

“A abordagem da Argentina foi investir em educação básica, enquanto aqui fizemos a opção, que se mostrou equivocada, de investir primeiro nas universidades para criar uma elite pensante”, afirma Claudia Costin.

“Por isso, o país vizinho tem tantos adultos leitores a mais que nós. Em 1930, o Brasil só tinha 21% das crianças na escola, enquanto os argentinos tinham 60%. Em 1960, eles já haviam universalizado o acesso ao ensino primário, que no Brasil atendia só 40% das crianças. A Argentina investiu em educação com intencionalidade, o que deixou uma herança. Só que eles têm descuidado dessa herança.”

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