Por Helvídio Mattos, compartilhado de Ultrajano –
A desconhecida história de um mestre do futebol em fim de carreira na cidade do interior paulista
Didi – “Costumo dizer que o Ziza levava o recado a domicílio, isto é: gostava de entregar a bola na boa, no pé do atacante. Já eu preferia mandar pelo correio, fazia o lançamento longo, de 40 metros”.
Gérson – “Zizinho ia pra cima do adversário, driblava, abria caminho na raça, embora com categoria”.
Pelé – “Zizinho era um jogador completo. Atuava na meia. No ataque, driblava como poucos, era um ótimo cabeceador, sabia armar. Além de tudo, não tinha medo de cara feia”.
Quem sou eu agora para falar alguma coisa a mais sobre Thomaz Soares da Silva, melhor jogador do Mundial de 1950, tricampeão carioca pelo Flamengo, ídolo do Bangu, campeão paulista pelo São Paulo, líder dentro e fora do campo e quem meu pai garantia ter jogado mais e melhor que Pelé?
A era Zizinho se estendeu da metade da década de 1940 aos últimos anos da década seguinte. Em 1958, saiu brigado do São Paulo e voltou para sua Niterói.
Há quem diga que Mestre Ziza passou um ano tomando cerveja na praia sem querer saber de futebol.
Enquanto isso, no correr dos primeiros meses de 1959, a Associação Atlética São Bento, de Marília, voltava ao futebol profissional para disputar a Segunda Divisão do futebol paulista. Nos últimos 10 anos, o São Bento havia ficado fora da ativa e para seu retorno a diretoria pensou grande. Contratou como técnico Danilo Alvim, ex-volante do campeoníssimo Vasco da Gama dos anos 1940 e titular absoluto da Seleção vice-campeã da Copa de 50.
O Príncipe, apelido dado pela imprensa esportiva da época, levou para Marília 10 jogadores do futebol carioca, entre eles seu compadre Zizinho, que havia acabado de se separar da mulher. Segundo Antônio Maria Pupo Gimenez, em entrevista para o diário local Jornal da Manhã, um dos motivos que levaram o mestre para o interior de São Paulo foi a ligação entre os dirigentes do São Bento e Laudo Natel, então presidente do Tricolor paulista, clube dono do passe do camisa 10 que se recusava a emprestar o craque para outra agremiação.
Esse é o início da história desconhecida dos pouco mais de dois meses de 1959 em que Mestre Ziza defendeu as cores branca e vermelha da Associação Atlética São Bento de Marília.
Confesso que jamais tinha sequer ouvido ou lido sobre ela. Nem mesmo no livro Mestre Ziza – verdades e mentiras do futebol a passagem pelo São Bento de Marília é citada. Foi uma grande surpresa quando na tela do computador surgiu a imagem da capa da versão digital do Jornal da Manhã com a seguinte manchete:
“ÍDOLO DE PELÉ, ZIZINHO DEFENDEU O SÃO BENTO DE MARÍLIA EM 1959”
A reportagem original foi publicada na edição impressa em 2010. Em 31 de março do ano passado, no início da pandemia, foi republicada no Jornal da Manhã digital.
Zizinho estava com 38 anos quando chegou a Marília em 9 de maio de 1959. Assinou contrato no dia seguinte e estreou no dia 14 contra a Associação Atlética Botucatuense. A partida valia já pela quarta rodada e terminou empatada em 2 x 2. Zizinho não fez gol, mas foi dele a assistência para o gol de Ceninho.
Na rodada seguinte, também fora de casa, empate de 1 x 1 diante da Ferroviária de Botucatu. De pênalti, Zizinho fez seu primeiro gol pelo São Bento.
Pupo Gimenez, morto de forma trágica em abril de 2016, trabalhava nas lojas Mesbla em 1959. Para a reportagem do Jornal da Manhã, o ex-treinador que revelou Neto, Evair, Amoroso, Luizão, Mauro Silva e tantos outros jogadores lembrou o tempo em que Zizinho era atração em Marília.
“Toda quinta-feira depois do almoço, eu ficava doente, pois era dia de coletivo, que na época era a mesma coisa de um jogo. A disputa pela titularidade era bem acirrada. As arquibancadas não eram como as de hoje. A capacidade era bem menor. Por isso, as árvores ao redor do estádio ficavam cheias de gente só para vê-lo.”
Outra lembrança de Pupo é a da vitória sobre o time do Tupã em 12 de junho no Estádio Bento de Abreu. Zizinho marcou um belo gol na vitória por 2 x 0. “Foi um lindo voleio”, recordou o ex-treinador.
A reportagem segue informando que, a partir do gol de voleio, Zizinho passou a ter atuações apagadas. Era o fim da lua-de-mel com os torcedores.
Em 16 de julho, no Abreuzão, o São Bento vencia o Osvaldo Cruz por 1 x 0. No primeiro tempo ainda, o juiz marcou pênalti a favor do time da casa. Zizinho foi para a cobrança. Bateu fraco, à meia altura, e o goleiro defendeu. Para piorar, o Osvaldo Cruz empatou o jogo, que terminou 1 x1. Segundo o Jornal da Manhã, Mestre Ziza deixou o campo debaixo de vaias da torcida.
A situação degringolou de vez quando Danilo Alvim foi demitido no final do mês. O Príncipe voltou para o Rio de Janeiro e levou Zizinho com ele. Mas esse não foi o fim da carreira do mestre. Ziza ainda jogou por mais três anos, no Audax Italiano, do Chile.
Neste 2021, Zizinho completaria 100 anos de idade. Faleceu em 8 de fevereiro de 2002, vítima de problemas do coração.
Quando soube de sua morte, Pupo Gimenez disse:
“O Estádio Bento de Abreu tinha que ter uma placa na entrada dizendo: ‘Aqui jogou Thomaz Soares da Silva, o Zizinho’”.