Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora –
Ambientalistas divulgam manifesto em defesa da democracia. O ator Harrison Ford, o Nobel da Paz Al Gore e a ativista Greta Thunberg visitam a COP25
(Madri, ES) – Se o Brasil quiser mesmo cumprir a meta climática do Acordo de Paris terá que investir US$ 5 trilhões até 2050. E ainda comprar crédito de carbono de outros países. Esse é o preço a pagar pelo aumento do desmatamento e a total ausência de políticas públicas para manter a floresta em pé. O cálculo do custo financeiro do retrocesso ambiental é do pesquisador Raoni Rajão, do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Faltando três dias para o final da Conferência do Clima, a COP25, Rajão traçou um cenário preocupante para o país. Se, no ano passado, o Brasil vivia um período de governança intermediária, quando o desmatamento era contido com fiscalização e multas; menos de um ano depois, o quadro degringolou. A governança atingiu seu pior índice. Entre agosto de 2018 e junho deste ano, o desmatamento aumento 29,5%. “Se o ritmo do desmatamento não for contido, chegaremos a 25 mil km2 em 2025″, projetou Rajão.
A mudança do ritmo do desmatamento impacta diretamente nas emissões do país. Em 2018, as emissões de gases de efeito estufa somaram 1,9 giga toneladas – o Brasil responde por 3,5% das emissões globais. A posição do país no ranking dos maiores emissores do mundo depende do critério usado na base de cálculo. Disputando com a Indonésia, o Brasil pode ocupar o sexto ou o sétimo lugar, se o cálculo incluir dados de desmatamento do país asiático e se as emissões da União Europeia forem contabilizadas em bloco ou separadamente por países.
Para atingir a meta do Acordo de Paris e manter o aumento da temperatura da planeta em 1,5°C, as emissões per capita deverão baixar para uma tonelada por habitante até 2050. O Brasil está muito distante da meta: cada brasileiro emite, em média 9,3 toneladas por ano contra uma média mundial de 7,2 toneladas anuais.
Mesmo admitindo que o pagamento por serviços ambientais é um aliado muito bem-vindo na luta contra o desmatamento, Rajão defendeu que fiscalização forte e combate ostensivo à grilagem são peças fundamentais para ajudar o Brasil no cumprimento da meta climática.
Apesar deste cenário traçado pelo cientista, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, frisou, diante das delegações do alto nível da COP25, na terça-feira, dia 10, que o país “está fortemente comprometido em combater as mudanças climáticas, para o benefício de todo o planeta”. Seu discurso durou pouco mais de três minutos. E aproveitou para, mais uma vez, cobrar recursos financeiros dos países ricos: “Temos que ir além de belas palavras e providenciar os recursos que podem efetivamente responder às necessidades dos países em desenvolvimento”. A partir desta quarta-feira, dia 11, os ministros passam a liderar as negociações.
Nos corredores do IFEMA Feria Madrid, onde está ocorrendo a COP25, o que se comenta é que se Salles voltar para o Brasil sem os recursos financeiros que vem cobrando dos outros países, isso não significará uma derrota. Ao voltar de mãos abanando, o governo Bolsonaro estaria livre, segundo observadores atentos das negociações, para praticar o tipo de governança que sempre defendeu para a Amazônia.
Nada mais antigo do que a tese de que conservar florestas vale menos a pena do que derrubar para plantar, particularmente na Amazônia. Artigo científico publicado na revista Land Use Policy, e que será divulgado na COP25, mostra, pela primeira vez, como a implementação de estratégias específicas para as quatro grandes categorias fundiárias pode levar ao desmatamento zero na Amazônia e, ao mesmo tempo, estimular o desenvolvimento sustentável na região. O artigo é assinado por pesquisadores do Instituto Ambiental de Pesquisa da Amazônia (Ipam).
“O Brasil pode provar aos outros países que é possível conter o desmatamento e aumentar a produção, ajudando a alimentar o mundo enquanto combate as mudanças climáticas e promove o desenvolvimento regional. Tudo ao mesmo tempo e com ganhos reais ao meio ambiente e às pessoas”, diz o diretor-executivo do IPAM e um dos autores do estudo, André Guimarães. “Mas isso pressupõe promover investimentos inteligentes no campo, manter e fortalecer as políticas ambientais existentes no país e acabar com o desmatamento ilegal, como exigido no Acordo de Paris.”
Correndo por fora, os governadores da Amazônia Legal assinaram um memorando de entendimento com a França para preservar a Floresta Amazônia — a parceria ocorreu três meses depois do imbróglio entre Bolsonaro e o presidente da França, Emmanuel Macron, por conta da queimadas na região. Os valores ainda são uma incógnita, mas a parceria fechada com o Conselho Interestadual dos Governos da Amazônia Legal é para durar até 2030. O grupo mantém ainda negociações com a Alemanha e a Noruega.
Ambientalistas aproveitaram o Dia Internacional dos Direitos Humanos para divulgar um manifesto em defesa da democracia. “Foi por meio da atuação de organizações da sociedade civil que o Brasil conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade infantil, a miséria extrema e o desmatamento de suas florestas e tomar medidas cruciais contra a corrupção e pela transparência no poder público”, diz o texto, assinado por um coletivo, bastante robusto, de ONGs, cientistas, ambientalistas e artistas.
Com a COP25 entrando na reta final, presenças ilustres foram vistas pelos corredores. A jovem ativista sueca Greta Thunberg voltou à conferência, desta vez ladeada por cientistas, e pediu para que os governos “escutem a voz da ciência, no lugar das empresas”. Após ser chamada de “pirralha” presidente Bolsonaro, Greta incluí o termo na descrição do seu perfil no twitter. Ambientalista assumido, o ator Harrison Ford participou de um ato junto com o ex-prefeito de Nova Iorque Michael Bloomberg, onde acusou Donald Trump de “falta de coragem” por tem iniciado o processo de retirado dos Estados Unidos do Acordo de Paris. E o ex-vice presidente americano e prêmio Nobel da Paz Al Gore foi curto e grosso: “Estamos transformando o céu num esgoto”, referindo-se ao aumento das emissões de gases de efeito estufa.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (ICS)