Metade de Paraisópolis pode ter sido infectada pelo coronavírus, indica testagem

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Compartilhado de Deutsche Welle – 

Levantamento aponta que proporção de moradores da favela contaminados pode ser cinco vezes maior que a observada na capital paulista como um todo. Alta densidade populacional contribui para disseminação da covid-19.

Equipe de profissionais da saúde em Paraisópolis
Enfermeiros e técnicos de enfermagem saíram pela favela abordando moradores e perguntando se gostariam de fazer teste

Não fazia nem uma semana que a moradora de Paraisópolis, Stephani Figueira havia enterrado o pai, vítima de covid-19, quando ela mesma começou a sentir febre, dor no corpo e fadiga. Mesmo doente, continuou trabalhando no movimentado bar que toca com o marido, dentro da comunidade.




“Eu não aguentava ficar parada em casa, só sofrendo pela morte do meu pai. Era doloroso demais, além de ter que trazer dinheiro para casa”, conta a pequena empresária de 27 anos.

O caso de Stephani é apenas mais um em Paraisópolis, favela na zona sul de São Paulo onde um levantamento concluído nesta terça-feira (12/08) apontou que 49% dos adultos testados já foram infectados pelo novo coronavírus, e que 23% dos casos ainda estão ativos, podendo transmitir o vírus.

A enorme concentração da população, a falta de alternativa de renda para além do trabalho fora de casa e a pouca consciência de alguns moradores pode explicar a contaminação de quase metade dos adultos da comunidade onde vivem mais de 100 mil pessoas.

Os dados sobre a covid-19 foram obtidos por meio da testagem de mais de 500 residentes promovida pela Associação de Moradores entre terça-feira passada e esta segunda-feira. Enfermeiros e técnicos de enfermagem saíram pela favela abordando moradores maiores de 18 anos de idade e perguntando se gostariam de fazer o teste.

Paraisópolis
Uma das maiores favelas do país, Paraisópolis abriga mais de 100 mil pessoas

Foram feitas coletas de sangue para a realização de testes rápidos com plasma centrifugado, usados para ajudar no mapeamento da população que já foi infectada. O exame detecta quem tem anticorpos do tipo IgM (contato recente com o vírus) e do tipo IgG (contato previamente), ou seja, indica tanto quem ainda pode contaminar outras pessoas quanto aqueles como Stephani, que já estiveram infectados e possivelmente estão imunes contra o coronavírus.

“É um resultado muito impressionante, e muito acima do que esperávamos”, afirma o biomédico Lucimario Moreira, coordenador da testagem. “Vale ressaltar, no entanto, que as pesquisas não definiram por quanto tempo dura a imunidade ao vírus por aqueles que já tiveram a doença”, pondera.

Os dados indicam que a proporção de infectados em Paraisópolis pode ser cinco vezes maior do que a observada na capital paulista como um todo. Desde junho, a prefeitura de São Paulo vem realizando um inquérito epidemiológico, que até o momento apontou 1,2 milhão de infectados, o que corresponde a cerca de 10% da população da cidade.

Como se isolar?

A dona de casa Vanessa Souza, de 29 anos, suspeitava ter sido infectada no mês passado e transmitido o coronavírus para o marido e os filhos. Sem receber o auxílio emergencial do governo federal, apesar da baixa renda e de solicitá-lo, seu marido, que é motoboy, teve que continuar trabalhando como entregador de pizza, apesar das dores no corpo, falta de ar e febre alta.

“Ele ganha por dia. Se faltar por causa de doença, o patrão chama outro, quem sabe não chama nunca mais. Então, ele foi obrigado a continuar trabalhando para alimentar nossa família”, narra resignada.

Entre vielas, ruas estreitas onde se concentram o comércio e casas de um dormitório onde muitas vezes se espremem quatro ou cinco pessoas, é difícil manter o isolamento social em Paraisópolis. Os mais de 100 mil moradores da favela, uma das maiores do Brasil, vivem amontoados. A densidade populacional é de 45 mil habitantes por quilômetro quadrado. Pequenos imóveis são construídos uns sobre os outros na tentativa de aproveitar ao máximo o limitado espaço. Ao redor, prédios de luxo e mansões contêm a expansão da favela.

Paraisópolis
Pequenos imóveis são construídos uns sobre os outros na tentativa de aproveitar ao máximo o limitado espaço na favela

“Quando se pensou em quarentena, isolamento social, não levaram em conta a lógica da favela. Como se isolar quando as próprias casas não estão isoladas?”, questiona a produtora audiovisual Renata Alves, de 39 anos, que desde abril é a ponte entre moradores e o serviço de ambulância contratado pela comunidade para suprir o Samu oficial. “Meu telefone virou o 192 da comunidade”, diz, fazendo referência ao número do socorro hospitalar brasileiro.

A reportagem da DW Brasil vem desde aquele mês acompanhando o trabalho das lideranças locais na tentativa de conter o avanço do novo coronavírus. Apesar dos esforços de conscientização, no entanto, pouco havia mudado na rotina das movimentadas ruas e dos comércios da comunidade, que, apesar da quarentena decretada em 24 de março, permaneceram, com poucas exceções, abertos durante a pandemia.

Importante fonte de informação

O infectologista e membro da força-tarefa de contingência do novo coronavírus no estado de São Paulo Marcos Boulos alerta para a limitação dos dados obtidos a partir da testagem em Paraisópolis.

“Um levantamento feito desse modo [aleatório] não tem poder estatístico, mas é importante como fonte de informação para entender a dispersão do vírus pela cidade. Não é inesperado, com a concentração de casas e a aglomeração de pessoas, que Paraisópolis observe essa alta contaminação”, afirma.

Enfermeiro colhe amostra de sangue de mulher com máscara
Profissionais da saúde realizaram testes rápidos para mapear população que já foi infectada pelo coronavírus

Leonardo Runyo mora há quatro anos em Paraisópolis e se voluntariou como guia da equipe de testagem para conhecer melhor a comunidade onde mora. “Muitas vezes ficamos no nosso pedaço e acabamos não conhecendo. Aqui é grande demais, mas tem sido um aprendizado”, conta o vendedor enquanto tenta convencer outro morador, Luís Felipe Ramos, a se testar.

“Tenho muito medo, claro. Meu primo morreu de covid-19, uma outra tia também, todos moradores daqui”, lamenta ele com o filho de um ano no colo. O medo da doença, no entanto, não foi maior que a resistência ao exame. Luís Felipe, não saberá, ao menos não pelas próximas semanas, de qual metade dos moradores faz parte.

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