Metamorfose

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Por Marco Aurélio Vasconcellos, cantor, compositor, poeta e cronista

Tudo começou há alguns anos. A princípio, parecia uma ilusão. Mas o espelho, cada dia, me provava o contrário.  Primeiro, foram as rugas. Sem a menor explicação, elas foram desaparecendo, como se os sulcos tivessem sido preenchidos com algum produto miraculoso ou como se aquele emaranhado cartográfico jamais tivesse estado no meu rosto. Depois, foi a vez dos cabelos. Cheguei a pensar que o xampu habitual tivera a fórmula alterada. O tom grisalho foi sumindo, até readquirir a cor de antigamente.




Minhas entradas se fecharam e a linha reta de cabelos restituiu a configuração da juventude.  Ao me dar conta da mudança, assaltou-me uma ponta de preocupação, em parte abafada por um contentamento indescritível. Mas a transformação não ficou só nisso.

Passado algum tempo, cismei que meu tônus muscular também estava se modificando. A barriga adelgaçara, as gorduras localizadas sumiram. Tudo sem qualquer exercício específico ou tratamento médico! 

A figura meio grotesca de homem maduro cedeu lugar ao longilíneo corpo atlético que, vez por outra, povoava minhas lembranças.  Pena Nicinha não estar comigo para testemunhar o novo visual…  Por certo, ficaria orgulhosa. Ficaria, mesmo? Pensando bem, é melhor que já se tenha ido. Iria sentir-se velha. Indigna de mim. As ciumeiras seriam inevitáveis e as brigas fariam de nossa vida um inferno. Mas os problemas surgiram de qualquer jeito.

Alberto, meu único filho, percebeu a mudança. Acadêmico de medicina, começou a montar teorias, na tentativa de explicar o fenômeno. Acho que tinha ciúme do meu rejuvenescimento e via em mim um competidor, porque nunca mais permitiu que a namorada entrasse lá em casa. Nossos atritos se intensificaram e ele ameaçou mudar-se.

Não demorou muito tempo me vi adolescente. Comecei a ficar imberbe. O corpo musculoso tornou-se esguio, magro e… incrível, minha altura começou a diminuir. Fiquei criança de novo!

Alberto parecia meu pai, imenso, sem paciência. Passou a me bater sem motivo. A preocupação inicial se transformou em terror, quase um delírio, porque me imaginei voltando ao útero materno. A cabeça latejava sem cessar. Pensei que fosse explodir. E aquele processo mutante em contínua evolução…

Um dia Alberto chegou em casa acompanhado de dois sujeitos enormes. Não pude evitar que me levassem. Agora, estou cercado por estas paredes brancas. Ignoro quanto tempo se passou neste ambiente estranho.

Só sei é que continuo criança sem ser criança, porque não me deixam brincar. E meu filho, que poucas vezes vem aqui, insiste em dizer que tudo isso foi obra de minha imaginação.

Imagem: Washington Luiz de Araújo

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