Meu caro amigo, presidente Lula

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Por Camilo Vannuchi –

Querido Presidente Lula:




Ontem estive no Instituto que leva seu nome. Fui entrevistar o Moraes, chefe da sua segurança, para o livro que estou escrevendo sobre sua Galega, agora na reta final. Aproveitei para dar um abraço no Baianinho, que veio matar a saudade de São Paulo, e bater um papo com a Claudinha. Gosto muito da Claudinha. Mulher forte, da turma que não foge à luta, que verga mas não quebra, sabe? Troiana, né. Faz sentido.

No final da entrevista, descemos as escadas, Moraes e eu, e encontramos a Claudinha na sala de reunião, batendo papo com a esposa do Moraes, que o acompanhava, e com o Paulo Frateschi. Lembramos das caravanas Lula Pelo Brasil, em especial da caravana pela região Sul. Vai entender.

Tanta coisa boa para a gente lembrar, dos percursos pela região Nordeste, pelo norte de Minas… Mas não: quando dei por mim, estávamos falando sobre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os tiros disparados contra os ônibus, os miguelitos espalhados na estrada, o veículo encontrado com galões de gasolina e foguetes (é rojão que fala, né? tenho mania de chamar de foguete). E as pedras. O Frateschi, você se lembra, levou uma pedrada que desfigurou sua orelha esquerda.

Acho que a gente anda muito borocoxô, sabe? Baixo astral. Tempo de olhar para dentro e lamber as feridas. Tempo também de nos cuidar mais uns dos outros. Cicatrizar. Para retomar a luta com força total. Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Repensar a estratégia. Ou melhor, as estratégias, no plural.

Este tem sido um ano muito difícil, muito ruim. Para todos nós. Não me refiro aos “petralhas”, à esquerda ou ao campo progressista. Este ano está sendo muito ruim para todos, mesmo para aqueles que, hoje, comemoram o resultado das urnas. Em geral, são os mesmos que comemoraram o afastamento da Dilma e a sua prisão.

Ela, a Dilma, fez um pronunciamento genial em 2016, embora confuso e atabalhoado, que diz muito sobre 2018. Era algo como “não acho que quem ganhar e quem perder vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Ou seja: somos todos perdedores, mesmo aqueles que, num primeiro momento, se sentem vencedores.

Perdemos, e não foi pouco, com o golpe, com sua prisão e com a eleição de Bolsonaro. Perdemos com os tiros disparados contra a caravana. Perdemos com a pedra que atingiu a orelha do Frateschi. Perdemos com a retirada de tantos direitos. Perdemos com a celebração de tantos absurdos proferidos pelo nosso próximo presidente da República. Perdemos com a transformação da mentira no principal instrumento de cooptação de eleitores.

Perdemos com a ausência de debates, com a consagração do discurso de ódio, com a criminalização dos movimentos sociais, com a emergência do obscurantismo que tenta solapar o feminismo, o livre arbítrio, o livre exercício da sexualidade, as políticas distributivas e tantas conquistas que vínhamos construindo juntas e juntos nas últimas duas décadas.

No meio disso tudo, tenho pensado em você. Na semana passada, você completou sete meses de cárcere. Deve ter sido chato acompanhar de dentro da cela os jogos da seleção na Copa do Mundo. Não teve nenhum espetáculo, é verdade, mas qualquer jogo é melhor quando visto em grupo.

Deve ter sido muito foda ter sido alijado da campanha eleitoral e passar todo esse período aí dentro, logo você que deveria estar mais uma vez nos braços do povo, no meio da sua gente, correndo esse brasilzão de tantas cores e tantos sotaques, subindo em palanque e cruzando estrada que não acaba mais.

Soube que na noite da eleição, terminada a contagem dos votos, uma turma foi comemorar ao lado da tua janela. Dilma estava certa. Todo mundo perdeu naquele dia. Alguns talvez demorem um pouco mais para perceber.

Companheiro Lula, aqui fora o Brasil continua cheio de paradoxos. Dia desses, ouvi o samba-enredo que a Mangueira vai apresentar no próximo Carnaval e fiquei otimista de novo. Ele, o samba, nos mostra que este é o Brasil da garra, da coragem, da resiliência, da superação.

O Brasil de Dandara, Marielle, Leci e Jamelão. O Brasil dos quilombos, das nações indígenas, do fluxo, dos párias, de tantos sobreviventes. Brasil crioulo e feminista, de pretos e pretas e bichas e monas e loucos. Brasil cafuzo, migrante, das putas, das ocupações, dos terreiros, dos braços abertos, da transcidadania.

Ao mesmo tempo, um Brasil que mantém presos políticos, um Brasil em que um juiz tira da disputa o candidato favorito e aceita o convite para integrar o ministério do candidato vitorioso, um Brasil em que um membro da corte suprema chama ditadura militar de “movimento”, um país em que a apologia à tortura, a ameaça de morte a ativistas políticos, a perseguição à imprensa, tudo isso é tratado como se fosse banal.

Hannah Arendt escreveu sobre a banalização do mal há 55 anos. Deveríamos reler Hannah Arendt. Não me surpreenderia se ela fosse banida das salas de aula e das bibliotecas em tempos de Escola Sem Partido, perseguição ao ENEM, patrulha nas universidades. É preciso resistir. É preciso estar atento e forte.

Democracia não é somente um regime político. Democracia é mais do que isso. É um valor e uma ideologia. Um compromisso. É nosso papel defendê-la e intensificá-la.

Antes de deixar o Instituto Lula, encontrei uma caixa com postais. Cheguei mais perto e me pus a manuseá-los. Havia postais com quatro ou cinco imagens diferentes. Um deles é este, que reproduzo neste post. Os postais foram produzidos pelo Instituto Lula para serem enviados em respostas aos brasileiros e brasileiras que enviaram cartas para você.

Há muitas pilhas de cartas. Apenas as cartas de abril ocupam mais de uma dezena de caixas daquelas de plástico colorido, especiais para arquivos, numa das salas do Instituto. Estão sendo catalogadas, algumas digitalizadas e traduzidas. E respondidas com esses cartões. Num deles, você encosta sua testa na testa de uma senhora e olha bem no fundo dos olhos dela.

Em outro, você é carregado nos ombros por uma multidão reunida em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos. Num terceiro, você comemora a colação de grau de um jovem negro, com dreads no cabelo, e o cumprimenta com a alegria sincera de quem tem todos os motivos para sentir orgulho do que foi capaz de fazer por este país.

Nos versos dos cartões, há dois ou três tipos diferentes de mensagens. “Logo ele poderá estar de volta, mais perto de todos nós, para ajudar o Brasil outra vez”, diz um trecho de um dos textos.

Companheiro presidente, aqui fora tem uma multidão à sua espera. Alguns de nós podem estar cansados e borocoxô neste momento.

Mas não se engane. Passa rapidinho. A noite é sempre mais escura antes do amanhecer. Somos da resistência, somos da trincheira, somos a primavera. “Na luta é que a gente se encontra”, diz um verso do samba-enredo da Mangueira. Você precisa ouvir.

Forte abraço pra você.
A luta continua.

Camilo

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