Meu encontro com o “Che”

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Por Roberto Savio, traduzido por Paula Zawadzki , site Outras Palavras – 

Há exatos sessenta anos (8/7/1955), Ernesto Guevara somava-se à luta pela revolução cubana. No texto abaixo, o jornalista Roberto Sávio narra um encontro revelador sobre seu caráter

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Em 1963, fiz uma viagem para a Venezuela. Até esse momento, eu era um repórter jovem que trabalhava para a revista italiana Rinascita(jornal semanal do PCI). Em uma entrevista, o Presidente Betancourt me contou que, como social-democrata, estava muito preocupado com o surgimento de uma guerrilha na Venezuela. Então, comecei a procurar o seu líder, Luben Petkoff, mas não consegui encontrá-lo. Consegui falar com alguns simpatizantes dele e disso surgiu uma reportagem com os camponeses que Petkoff queria alistar, seguindo o modelo cubano. Cheguei à conclusão de que a realidade era completamente diferente do que Petkoff havia pensado e que a guerrilha não teria êxito.




Fui da Venezuela para Cuba, onde conversei com várias pessoas sobre a Revolução cubana e que ela não se replicaria ali, o que não agradou a muitos de meus interlocutores.

Eu estava hospedado no Hotel Nacional, e uma noite, enquanto dormia, fui acordado por batidas insistentes na porta. Eram duas da manhã. Um miliciano, com um uniforme verde musgo, me disse que o Comandante Guevara queria me ver. Me vesti e o miliciano me levou até o Ministério da Indústria, do qual Che era ministro. O edifício estava totalmente escuro, exceto o último andar. O primeiro miliciano disse ao outro que estava de plantão que Che estava me esperando. Subimos até o último andar, onde um terceiro miliciano me conduziu até o escritório do Che. Abriu a porta, anunciou minha chegada e me convidou para entrar. No escritório, me deparei com um quarto grande, revestido de madeira tropical e com uma mesa grande cheia de papéis. Do outro lado da mesa, sentado, estava Che.

Che se levantou e, sem rodeios, disse: “Por que a guerrilha na Venezuela irá fracassar?”. Percebendo meu desconcerto, disse: “Antes de mais nada, a essa hora, um café cai muito bem”.

O miliciano apareceu rapidamente com os dois cafés em uma bandeja e se dirigiu ao Che, que lhe disse: “Rapaz, os convidados primeiro”. O miliciano se aproximou de mim pelo lado esquerdo e virou a bandeja em minha direção. Ao fazê-lo, a metralhadora que estava pendurada do lado direito de suas costas veio parar na minha têmpora esquerda. Um reflexo instintivo me fez dar um pulo e bater na bandeja. Atordoado e horrorizado, vi como as duas xícaras de café voaram, quicaram sobre a mesa e mancharam uma enorme quantidade de papéis. Se eu quisesse ter feito isso de propósito, não teria conseguido.Ele abriu a porta e disse ao miliciano que trouxesse dois cafés.

Fiquei paralisado, e Che disse: “Finalmente, chega uma pessoa que, de uma só vez, elimina tantos papéis”. A partir desse momento, comecei a sentir um carinho por ele.

Conversamos até as quatro da manhã. Para cada explicação que eu lhe dava, ele parecia pouco convencido e me pedia mais detalhes. Nunca aceitou nenhum dos argumentos que lhe apresentei e eu fiquei com uma impressão de que se tratava de uma pessoa com uma extraordinária qualidade humana, mas muito teimosa.

No final da noite, Che me deu de presente um livro dele, “A guerra de guerrilhas”, com uma dedicatória que dizia: “Para Roberto Savio, uma lembrança de uma longa noite de verão, sem a pretensão de doutrinação. Che.”

Muitos anos se passaram. Em 1973, fiz um longo documentário, dividido em três episódios, de uma hora cada, sobre o Che e sua morte. Naquele momento, eu trabalhava como chefe correspondente para a RAI, a televisão italiana na América Latina. A RAI destruiu meu trabalho, pois retransmitiu dois episódios de 50 minutos totalmente diferentes do que eu havia concebido, mas usando meu material e meu nome. Quando protestei, fui demitido. Meu documentário tinha entrevistas inéditas, mais de cem, desde a única dada pelo Secretário do Partido Comunista da Bolívia, Maria Monje, passando pela do Sargento Mario Terán, que matou Che em La Higuera, pela do Sheldon, guarda americano que treinou os soldados da contraguerrilha, pela do Holleeder, chefe dos serviços de inteligência americana na Bolívia, até a de Salvador Allende. Desde então, não me ocupei mais do Che.

Em 1964, havia criado a Inter Press Service (IPS) e minha saída da RAI permitiu que eu me ocupasse da agência em tempo integral. O tempo se passou e, um dia, minha secretária anunciou a visita de um deputado venezuelano, o qual, infelizmente, não me lembro do nome. Enquanto perguntava à secretária o motivo da visita, o deputado abriu a porta, invadiu meu escritório e disse: “Olhe, você não tem ideia da manhã difícil que você nos fez passar com o Che”, como se estivesse falando de algo que aconteceu ontem…

Dessa forma, soube que, quando saí do escritório do Che, por volta das 4 da manhã, ele se dirigiu até a casa onde estava alojada uma delegação da guerrilha venezuelana, os despertou e disse: “Um italiano esteve aqui e me apresentou uma série de motivos pelos quais a guerrilha poderá ser um fracasso”. E se referindo a todos eles, pedia uma explicação para cada um. O deputado me disse: “Foi uma manhã difícil, porque você estava bem informado e tinha argumentos reais”.

Assim, descobri que Che Guevara, longe de ser teimoso como eu havia pensado durante tantos anos, tinha registrado todos os meus argumentos e os usado para comparar com as respostas dos guerrilheiros venezuelanos. Não há dúvidas de que Che acreditava na guerrilha e de que escutava muito mais do que poderia parecer.

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