E não é (esqueça o trocadilho com Noel) que o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, da coluna “A César o que é de Cícero”, já sentou no colo do “bom velhinho”, na esperança de ganhar aquele brinquedo da hora?
Pois é, veja aqui uma cartinha que o nosso cronista envia para o Papai Noel. Cartinha meiga, mas despida de qualquer anseio por presente.
Ah, vejam como Cícero César era bonitinho. Depois cresce e nem Papai Noel dá jeito…
E viva o espírito natalino!
“Beija-Flor, 17 de dezembro de 2024
Meu prezado Senhor Nicolau, este menino aqui da foto sou eu, aos meus quatro, cinco anos. Não tenho lembranças desta época, tenho apenas algumas fotos, esta inclusive que guardo entre documentos importantíssimos.
Sei que o homem da foto, em cuja perna esquerda me apoio, não é o senhor. É um homem a trabalho, garantindo, se Deus quisesse, um trocadinho, para comprar uma lasca de bacalhau com muita espinha nas Sendas, no Disco, nas Casas da Banha, nos Supermercados Leão.
Veja a foto completa abaixo e se liga aí nas botas de mosqueteiro dele. Maneiras, né? São melhores ou não do que coturnos com cadarços brancos que muito Papai Noel de hoje usa? Se liga no meu par de botas Ortopé, que na minha época muita criança usava. E se liga no outro homem que é registrado quase que no contrapé, lá no fundo à direita. Ele não sabia que faria parte desta história. O velho homem está embaixo do Café e Bar Carrossel, que com certeza já rodou do Rio de Janeiro.
Enfim fui tomado pelo espírito natalino, meu velho. É a hora na hora para sentirmos os efeitos do calor senegalesco, do sol e da chuva; é a hora na hora para ver passar o comboio do caminhão de refrigerantes, de ver torcer o nariz de gente que tem pouco apreço pelas frutas cristalizadas ou por passas no arroz, entre outras rabanadas.
Eu tenho uma pena de Papai Noel que só você vendo. Usar aquela roupa vermelha, gorro, luvas e barba postiça no verão de Hemisfério Sul é prova de fogo.
Hemisfério Sul, Latina América. “Como é que é que Papai Noel entra pela chaminé se aqui nem chaminé tem?”, perguntava-se o menino que não fazia feio nas derivas próprias da idade. Eu não sei se desembuchava, não sei se tinha gente que percebia minha tal genialidade, nesta fase da vida eu pensava muito para dentro. Toda criança tem um quê de poesia de Manuel de Barros.
Além disso, eu me perguntava por onde saiam os bebês e já tinha uma ideia por onde eles entravam… Tudo isso sem procurar no Google. As crianças do meu tempo eram terríveis.
Passou uma nuvem aqui que me lembrou “Infância”, aquele quadro de Iberê Camargo. Deu-me vontade de chorar. Senti falta de meu pai. Fiquei assoviando: “Ê, vida voa…”
Passaram-se quase cinquenta anos da foto. Eu também estou anoitecendo na Tijuca, como diz um verso de um poema de Aldir Blanc. E eu, confesso, que morei quando bem menino na Tijuca, ainda sei ir a pé para lá de qualquer ponto de Vila Isabel. Sei lá, é como ter um GPS no coração. Mas Vila Isabel tem uma coisa que não se explica. Merece um parágrafo só para ela.
Eu não te peço nada, Nicolau. Nem bicicleta Caloi nem bola Dente de Leite nem botão de galalite. Peço-te que me perdoe a informalidade, por obséquio. Mas é que por vezes quanto mais rebuscado se é, mais se afasta de Deus, eu tenho que falar a língua que sai de meu bico. Aquela coisa de café na xícara com o dedinho para cima já é capricho. Para falar com você eu quero tomar meu café no copo americano, de igual para igual.
Eu não quero de volta nem o Toblerone que guardei na geladeira na casa do tio Celso e que alguém surrupiou. Quando foi isso? Não me lembro, apesar de até hoje me doer um pouco – Poxa, comer o doce de uma criança onde já se viu?
Também sei que proteção ao crédito e aos filhos não é com o seu departamento, é com alguém mais acima, alguém da Heavens Corporations. Entonces, deixa quieto.
Se duvidar, neste Natal dispenso cerveja, dispenso vinho rascante, não galopo um White Horse. Eu não sei direito o que houve comigo nos últimos anos. De repente, fiquei sem amigos de copo ou de cruz. A fonte secou. E resisto estoicamente.
Outro dia conversei com a minha filha sobre o presépio do JC, dizendo para ela que ele nasceu numa manjedoura. Ela se impressionou, entendeu o recado quando lhe passei o significado da palavra. O maior dos Reis nasceu meio fugitivo em um lugar de passagem no meio do nada, precário, e não num Barra D´Or.
Simplicidade é o xis da questão. Quanto mais perto da terra, mais perto de Deus. E os três reis magos? Será que viram o menino JC esguichar xixi que nem a estátua do Manequinho? Não sei, não sei.
Outro dia minha filha me perguntou sobre o significado de “presepada”, que é uma palavra que ela já tinha escutado, em frase assim: “Que presepada é essa?” Se presépio é uma coisa bonita, presepada não o é.
Desejo a ti boas festas. Que deixem para ti em lugar seguro, reservado, ao menos um pratinho de salgadinhos, uns bolinhos de bacalhau, uma saladinha de bacalhau, uma posta de bacalhau à Gomes de Sá. E uma canequinha de vinho, que é ninguém é de ferro. Ou duas. Ou três.
Do seu criado,
Cícero C.”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019), Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.