Sou como a Folha, a Veja, a Globo – pratico um jornalismo estritamente imparcial e isento, não puxo jamais a sardinha pro meu candidato, não minto, não trapaceio o leitor, não manipulo informações segundo as minhas conveniências e meus interesses.
Nunca, sou um jornalista seríssimo como o Bonner, o William Waak, a Miriam Leitão e o Boris Casoy.
Se disserem que não sou sério, vou gritar: “é censura”. Gosto de criticar os outros, mas não admito que me critiquem.
Sou talvez um radical de centro, como diz um amigo meu, que era de esquerda e que, agora, escreve nesse templo do sentimento democrático que é o Estadão.
Só que, na hora de votar, me assaltam alguns sentimentos débeis, idiotas.
Sucumbo a um surto de populismo. Chego a temer que me chamem de boliviano (bolivariano é a palavra da moda, até o sinistro Levy Fidelix a usa, embora não saiba distinguir entre bolivariano e boliviano, entre Bolívar e Bolívia).
Na hora de votar, prefiro pensar na dona Arlinda, minha diarista (quatro filhos, um neto, quatro horas de transporte coletivo por dia), do que no João Doria ou no Jorge Bornhausen.
Prefiro imaginar o que seria melhor para o sr. Manoel (família na Bahia, ele aqui trampando doze horas por dia), faxineiro do prédio de Higienópolis, do que ouvir os argumentos de minha vizinhança de nariz empinado e preconceito à mostra.
(A propósito, meus vizinhos da Tradição, Família e Propriedade despertaram enfim para o perigo vermelho. Uma retreta cheia de clarins e trombetas passou a tarde de sexta tocando hinos religiosos como aquele “Queremos Deus”).
Na hora de votar me recuso a escolher só e tão somente quem seria melhor para mim – eu sou, afinal, querendo ou não querendo, um privilegiado, hei de me virar não importa que governante vier.
Que a Bolsa fique nervosa. Pior para ela.
Faz tempo que desconfio que o tal mercado não irá, por si só, melhorar a vida da dona Arlinda e do sr. Manoel. Vão dizer que isso é assistencialismo. Vão dizer que socorrer os miseráveis eterniza a miséria.
Digam o que disserem, na hora de apertar o botão é na dona Arlinda e no sr. Manoel que vou pensar.
E tem mais; o voto da dona Arlinda, o voto do sr. Manoel, seja ele qual for, tem o mesmo valor que o meu.
Por isso é que tanta gente odeia a democracia. Por isso é que os liberais de fachada sonham tanto com uma democracia dos limpinhos e dos sabidos.