Mídia deve assumir seu papel na naturalização da extrema direita no Brasil

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Milly Lacombe, jornalista, compartilhado do UOL

Mensalão e Petrolão são escândalos de corrupção fincados na cabeça dos brasileiros. São, também, diretamente associados ao PT.




Foram revelados durante administrações petistas e nós da imprensa demos a eles seus devidos tamanhos.

Colunistas do UOL
É inaceitável que dinheiro público seja desviado, especialmente se houver uma organização criminosa para fazê-lo.

Deixa eu falar um pouco do caso que ficou conhecido como Petrolão.

Em 1989, o jornalista Ricardo Boechat ganhou um prêmio Esso com uma reportagem sobre a corrupção na Petrobras.

Em 1993, finalmente uma CPI foi instaurada para investigar o esquema em que um cartel de empreiteiras desviava verbas do orçamento da União corrompendo políticos. Eram “os anões do orçamento”, um nome ruim se a intenção era comunicar o tamanho da roubalheira. Petrolão, por outro lado, é um nome ótimo. Pena que só pensaram nele anos depois. Mas voltemos ao fio de ideias.

A CPI deu apenas em um processo, contra o jornalista Paulo Francis. Ou seja, não deu em nada.

FHC, em 1995, nomeou Geraldo Brindeiro como procurador-geral da República e renovou por três vezes o seu mandato. Dos 626 inquéritos que chegaram às mãos de Brindeiro na PGR, apenas 60 denúncias foram encaminhadas. Por isso ele ficou conhecido como engavetador geral da República.

Diante dessa indecência promovida por FHC, em 2001 membros do Ministério Público exigiram que FHC respeitasse a lista tríplice de nomes. FHC ignorou e renomeou Brindeiro.

Aí entra o PT no governo.

Lula, ao assumir, fez logo de cara uso da lista tríplice e nomeou o nome mais votado pelos membros do MP sem questionar.

Entre 2003 e 2009, com Lula portanto, o número de operações realizadas pela Polícia Civil foi de 18 para 236. A PF passou a se concentrar em crimes contra os cofres públicos.

Em 2007 foram 183 operações e 2800 pessoas presas. Não tinha Lava Jato, não tinha manchetes diárias, não tinha eco na mídia. Por que, você deve se perguntar.

A PF foi reformada durante as administrações de Lula. Autonomia, melhores salários e operações de combate à corrupção.

Outra vez: estou apenas listando fatos facilmente comprovados.

O PT atuou para que escândalos de corrupção viessem à tona. Coisa que nem Sarney, nem FHC fizeram – muito pelo contrário. A mídia não divulgou as coisas desse jeito.

Esses dados nos indicam que o PT não foi o partido que inventou a corrupção, nem mesmo o partido que a organizou no Brasil.

Não se trata de tirar sua responsabilidade, mas de colocá-la em seu devido lugar dando a ela seu real tamanho.

Jornalismo, vamos lembrar, também é contexto.

Mas mesmo quem compreende que nenhum desses esquemas de desvio de verba foi montado nas administrações petistas confere ao PT a exigência do desmantelamento – que não foi feito.

Por que quem veio antes de Lula nunca foi responsabilizado pelo não desmantelamento?

Por que FHC nunca foi responsabilizado pelo acobertamento?

Por que os atuais escândalos de corrupção não ganham nomes populares como Mensalão e Petrolão? Por que não estão nas manchetes diárias?

Os nomes escolhidos para nomear os esquemas de corrupção desvendados durante as administrações petistas são ótimos.

Eles comunicam a grandeza dos desvios. A imprensa pegou esses nomes e cravou no noticiário sem cessar por anos.

Uma ida ao Manchetômetro da UERJ, e tudo pode ser comprovado.

O Manchetômetro, aliás, é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) que não tem filiação com partidos ou grupos econômicos.

Mas voltemos ao encadeamento de ideias.

Diante de todos os prejuízos do Mensalão, é de se imaginar que, havendo qualquer coisa parecida, o peso que nós da imprensa daríamos a isso seria o mesmo.

Vejamos o orçamento secreto, que, para Simone Tebet, pode ser o maior escândalo de corrupção do Planeta (vídeo abaixo).

Os números do orçamento secreto deixam, desde já, o Mensalão como brincadeira de criança.

Falemos do nome: orçamento secreto.

O que ele comunica? Nada.

Orçamento é uma palavra aborrecida e secreto não tem rejeição.

Mesmo com esse nome tedioso, a pergunta é: o escândalo está nas manchetes? Não. Deveria? Sim.

Com enorme destaque. Todos os dias.

A família Bolsonaro comprou 51 imóveis com dinheiro vivo. Está nas manchetes? Esteve por menos de uma semana. E aí sumiu.

E se fosse o Lula? O que teria acontecido?

Dá pra gente imaginar dado que a visita a um apartamento em obra levou Lula para a cadeia.

O apartamento em questão, aliás, foi chamado de triplex o tempo inteiro pela mídia. Vocês podem tentar adivinhar por que foi assim nomeado?

O escândalo do orçamento secreto deveria estar em destaque nas manchetes na mesma medida do que foi feito com o Mensalão.

Ou talvez até mais porque estamos diante de uma eleição que pode acabar com o que resta de democracia.

E esse aspecto também deveria ser ressaltado diariamente pela imprensa: Bolsonaro fala em golpe, ameaça o golpe, acha que adversário político deve ser exterminado e é risco real e imediato às nossas vidas.

Mas vamos deixar pra lá a desumanidade em Bolsonaro e falar de corrupção, esse assunto tão importante para definir votos segundo muitos.

Há pelo menos 26 casos de corrupção associados ao governo Bolsonaro: funcionários fantasmas no gabinete do presidente e dos filhos, apoio aberto a milícias no Rio, os repasses para a conta de Michelle, o advogado de Bolsonaro escondendo Queiroz em sua casa, obras feitas pelo ministério da saúde sem licitação, esquema de contrabando de madeira ilegal no Ministério do Meio Ambiente, vacina sendo negociada pelo Ministério da Saúde pelo triplo do preço, pedido de propina de um dólar por cada dose comprada da vacina AstraZeneca.

Seguir usando nomenclatura tediosa para comunicar cada um deles não faz a informação chegar à população com a força que deveria chegar.

Para o orçamento secreto, por exemplo, nomes como “O Mensalão de Bolsonaro” seriam mais honestos.

É o que é: o Mensalão de Bolsonaro.

Por que não estamos comunicando dessa forma?

E as rachadinhas? O que são as rachadinhas?

São o crime organizado institucionalizado. Há três décadas.

A escolha do nome, no diminutivo e usando um verbo que comunica solidariedade (o que é rachar?) não ajuda na divulgação e compreensão do tamanho da roubalheira.

Esquema de corrupção, crime organizado, extorsão? Um pouco de criatividade nos faria encontrar um nome que pudesse comunicar todo o horror do que é esse esquema institucionalizado por Bolsonaro e seus filhos (leiam o livro de Juliana Del Piva, “O negócio do Jair”).

Ninguém mais pode questionar o fato de que Lula e sua frente ampla são os únicos atores capazes de nos livrar da ameaça de um segundo mandato de Jair Bolsonaro – um mandato que como ensina o livro “Como as democracias morrem” sacramentaria o golpe, o fim da Amazônia, das instituições, dos direitos humanos etc.

Por que o noticiário ainda se refere a essa frente como “Lula” ou “O PT” apenas? Por que não chamar de Frente Ampla Democrática?

Comunicar é repetir. Temos a obrigação de repetir, de nomear as coisas corretamente, de não nos omitir.

Esse é o papel da imprensa em tempos de paz, mas é ainda mais em tempos de guerra.

Existe apenas uma força mobilizando o campo fascista nessas eleições, e ela se chama antipetismo. O antipetismo é uma paranoia delirante que foi incansavelmente promovida pela imprensa.

O já igualmente histórico e infame editorial do Estadão do “Uma escolha muito difícil” fez coisa demais pela naturalização da extrema direita nesse país.

A cada absurdo não confrontado dito diante das câmeras por Bolsonaro estamos naturalizando a extrema direita.

A cada mentira não verificada dita em debate, idem. Não são mentiras sobre o número de escolas abertas em seu mandato. São mentiras que visam instalar paranoia, medo, bloqueio da imaginação e depressão. Não combatê-las é, proposital ou acidentalmente, naturalizar o fascismo que pulsa em Bolsonaro e em seus métodos.

Não bastaram 13 anos de governos democráticos para que o PT fosse aceito. A esquerda segue sendo demonizada, enquanto a extrema direita é naturalizada pela mídia.

Nós da imprensa precisamos assumir nosso papel na legitimidade da extrema direita no Brasil.

Aceitar sem questionar que nomes como Paulo Guedes (colunista de O Globo por dez anos), Kim Kataguiri, Helio Beltrão, Merval Pereira, Augusto Nunes, Alexandre Garcia etc sejam vozes normalizadas e centrais nos maiores veículos e que não encontram contra-argumentação nos trouxe até aqui.

Quando Guilherme Boulos foi contratado como colunista da Folha, os mesmos que sempre aceitaram os nomes acima – que hoje vão sendo desmascarados como sendo de extrema direita – berraram em revolta e indignação.

Boulos não!

Por que Boulos não? Kataguiri pode, Beltrão pode, Nunes pode, mas Boulos não?

Merval pode, mas Boulos não?

Essa semana, o governador Romeu Zema foi entrevistado na GloboNews e disse que Bolsonaro não representa ameaça à democracia. Não foi questionado. Sua palavra ficou como a palavra final.

Silenciar diante de uma declaração mentirosa como essa é compactuar.

Não estamos aqui falando de achismos ou de desejos. Estamos falando de fatos.

Em dois minutos podemos listar vinte motivos para contra-argumentar Zema. Não foi feito.

Todo mundo pode não gostar de Lula, do PT, do petismo, da esquerda.

Democracia comporta conflitos e disputas.

Direita e esquerda são campos válidos. Mas seria preciso começar a dizer em alto e bom som que a esquerda que o PT representa nunca pregou o extermínio do campo adversário.

E a extrema direita que Bolsonaro representa prega isso todos os dias há quatro anos.

Não estamos falando de simetrias. É hora de a imprensa assumir um lado nessa história.

Agora mais do que nunca precisamos nos agarrar aos fatos e não a crendices e preconceitos porque a ameaça de colocarmos os dois pés num regime fascista está no horizonte.

Derrotar Jair Bolsonaro e seus métodos milicianos de gestão e de institucionalização de assédios é a missão de qualquer pessoa que acredite em democracia. E é a da imprensa.

Não é preciso muita coisa. Basta as palavras certas, manchetar os escândalos de corrupção, confrontar as mentiras ao vivo e repetir, repetir, repetir.

No dia 2 de janeiro de 2023 poderemos voltar a fazer oposição justa, coerente e honesta ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a certeza de que nossas vidas não serão submetidas a nenhum tipo de assédio ou de extermínio institucional.

Preciso ressaltar que se por um lado a imprensa tem papel decisivo na naturalização da extrema direita, ela também tem papel decisivo em abrir as frestas para que os escândalos de corrupção sejam trazidos à luz do dia.

Foi assim no Mensalão, no Petrolão, no esquema de distribuição de fake news de Bolsonaro em 2018 por Patricia Campos Melo e agora, com Juliana Dal Piva, com sua investigação de quatro anos sobre quem é Jair Bolsonaro e sobre seus métodos de atuação.

Reforço a recomendação para que leiam o livro ” O Negócio do Jair” enquanto é tempo.

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