Por Helena Sthephanowitz publicado na RBA –
Apesar de emblemática, nova investida da PF contra desvios de recursos públicos por médicos e empresários entrou na categoria das operações “invisíveis” ao noticiário nacional, merecendo pouca atenção
O centro da operação foi na cidade de Montes Claros (MG), onde três médicos cardiologistas foram presos por evidência de três tipos de crimes: receber propinas sobre equipamentos médicos comprados com verbas do SUS, desvio destes equipamentos do patrimônio público para uso em clínicas particulares, e cobrar “por fora” de pacientes atendidos pelo SUS.
Empresários e suas empresas que teriam corrompidos os médicos também foram alvos da operação. A Polícia Federal, como é de praxe no período de investigações, manteve os nomes em sigilo.
Apesar de emblemática e de servir de referência para reprimir estes crimes em unidades de saúde de todo o Brasil, esta operação da Polícia Federal entrou na categoria das operações “invisíveis” ao noticiário nacional, merecendo pouca atenção. O fato de os médicos presos terem se limitado à cidade de Montes Claros não torna a notícia regional, pois o delegado da PF Marcelo Freitas, que conduziu as investigações, afirma: “Acreditamos que o mesmo tipo de fraude se estenda por todo o território nacional, o que precisa ser investigado”.
A importância nacional foi reforçada pelo delegado ao dizer que atualmente os desvios são facilitados pela falta de controle sobre as próteses. A notas fiscais de venda investigadas informam apenas quantidade e número do lote, mas omitem os números de série. O Ministério Público encaminhará à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) recomendação para tornar obrigatória a discriminação deste verificador.
O delegado informou que o mesmo crime será investigado em outras especialidades, como próteses de ortopedia, de otorrinolaringologia e oncologia. As diligências feitas na sede das empresas fornecedoras que corrompiam médicos deixa claro que a investigação busca pegar delitos semelhantes em outras cidades do Brasil.
As investigações iniciadas em julho de 2014. Segundo os investigadores, stents (dispositivo para desobstruir artérias do coração) eram comprados para pacientes que não precisavam. Os maus médicos faziam um laudo realista para o paciente, sem referência ao stent. Faziam outro laudo – fraudulento – com a indicação de uso do aparelho para a coordenação do Sistema Único de Saúde. Assim, criavam um estoque paralelo dos dispositivos. Tudo pago com recursos do SUS, mas que eram desviados para uso em pacientes particulares e que pagava diretamente aos médicos pelo uso de itens comprados com dinheiro público.
Além dos desvios, os médicos recebiam propinas dos fornecedores. Os aparelhos custam aos cofres públicos entre R$ 2 mil e R$ 11 mil, conforme o modelo, e os médicos ganhavam propinas de R$ 500 a R$ 1.000 por unidade que pediam. Não precisa nem desenhar que, se não houvessem as propinas, o preço cobrado ao SUS poderia ser menor.
O grupo de médicos envolvidos chegou a receber R$ 110 mil por mês e criaram até uma empresa de fachada para receber a propina das distribuidoras simulando “prestação de serviços” para lavar o dinheiro sujo, segundo a PF.
Outra prática criminosa destes médicos foi, além de receber pelo procedimento através do SUS, cobrar “por fora” de pacientes. A Santa Casa de Montes Claros suspendeu um dos médicos da equipe de hemodinâmica, depois de saber que cobrou R$ 40 mil para um tratamento pelo SUS do paciente Vladiolano Moreira. Depois de receber a denúncia, abriu sindicância e constatou que o médico já tinha recebido R$ 20 mil. Com as investigações, a família recebeu o dinheiro de volta. Não foi o único caso constatado. Outra paciente, Maria Ferreira teve de pagar R$ 3 mil. Nilza Fagundes Silva pagou R$ 10 mil.
Os investigados foram indiciados pelos crimes de estelionato contra entidade pública, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, corrupção passiva, corrupção ativa e organização criminosa. A Santa Casa e o Hospital Dilson Godinho, onde a quadrilha atuou, não participaram dos delitos e colaboraram com as investigações, de acordo com a PF.
A operação mobilizou 200 policiais federais para cumprir 8 mandados de prisão temporária, 7 conduções coercitivas, 21 mandados de busca e apreensão e 36 mandados de sequestro de bens. O diretor Daniel Eugênio dos Santos da empresa Biotronic, residente em São Paulo, escapuliu de ser preso porque está em viagem de férias com a família nos Estados Unidos.
Daniel dos Santos tem um antecedente semelhante. O Ministério Público Federal já o denunciou junto com outros seis empresários e os médicos Elias Ésber Kanaan e Petrônio Rangel Salvador Júnior do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por propinas para cirurgias de implantes de marcapassos e desfibriladores, entre o período de 2003 e 2008. Chamou atenção o número completamente desproporcional ao do restante do país e a denúncia afirma que haviam casos desnecessários. Apurou-se também a compra aparelhos em número maior do que o efetivamente implantado, com efetivo prejuízo aos cofres públicos.
Este antecedente comprova que as investigações sobre estes crimes precisam ir muito além de Montes Claros.
Não é só a imprensa oligopólica quem dá pouca visibilidade a estes delitos. O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), por exemplo, que é médico (ortopedista) e empresário do setor, em vez de dedicar-se a perseguir médicos cubanos com proselitismo arcaico do tempo da guerra fria, deveria se dedicar a legislar e fiscalizar, nas comissões do Senado, estes malfeitos de sua classe profissional que tanto mal faz ao povo brasileiro.