Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, O Cafezinho –
A Globo está inaugurando uma nova modalidade de jornalismo especializado, o mediúnico, que abre uma janela de oportunidades, em forma de tela de cristal líquido, para o golpismo apresentar justificativas e defesas antes mesmo que os escândalos venham a público. Eis algumas das manchetes aparecidas na home do G1:
─ Jardim: Serra será citado em duas delações (10/07)
─ Jardim: Caixa 2 para Alckmin virá à tona (17/07)
─ Jardim: Delação pode atingir outro ministro (17/07)
Lendo as matérias, vislumbramos o que o futuro reserva para esses políticos – Alckmin irá “perder o sono”, Serra “terá um segundo semestre de cão”, Kassab “terá dor de cabeça com a delação da Odebrecht” – mas, o que é mais surpreendente, é que escutamos também, como no caso de Serra, justificativas ou defesas prévias para denúncias futuras, denúncias que sequer foram protocoladas ainda no presente.
É o que o jornalismo futurista nos dá de brinde com a antecipação de Serra:
José Serra dá uma resposta sucinta, sobre o conteúdo das delações: “Não cometi nenhuma irregularidade, tampouco autorizei terceiros a falar em meu nome”.
Por “terceiros”, Serra se refere a Márcio Fortes, ex-deputado federal do PSDB, que afirma ter sido seu interlocutor, melhor dizendo, seu intermediário, em relações com empresários e seus recursos financeiros.
A mesma estratégia será reeditada na Folha de São Paulo/UOL com 48 horas de atraso, mas essencialmente penetrada do mesmo visionarismo:
Ninguém dirá que são visões bonitas de se ver, mas são um fato, estão ai. E nesse novo caso, nem foi preciso a Serra exercitar os neurônios para produzir uma nova explicação. Usou a anterior fazendo economia das palavras:
“Reitero que não houve irregularidades, nem existem interlocutores autorizados a falar em meu nome”.
Toda essa vidência e previdência, talvez aponte para perigos futuros. Se essa modalidade de jornalismo pegar, poderá criar um novo e lucrativo mercado: o da venda de investigações em curso na polícia federal para defesa prévia destinada a neutralizar efeitos futuros. Quanto um político corrupto não daria para, com base nos métodos investigativos financiados pelos recursos públicos do país (escutas, perícias, análises de documentos, etc.), receber um dossiê que antecipasse suas agruras no porvir?
Antes, a proverbial impunidade brasileira já passava uma borracha no passado, fazia o desfeito dos fatos, e nos entregava um político que até se ofendia, ou fingia se ofender, com qualquer menção às denúncias pretéritas – “isso são denúncias requentadas que já foram devidamente arquivadas”. Enfim, a dimensão do tempo passado era uma dimensão inexistente, quando o assunto era crimes, para tantos desses políticos exemplares do país.
Agora começamos a vislumbrar um futuro igualmente blindado. Como o modelo ideal das barrigas festejadas nas homes (barriga chapada, negativa, etc.), que não guardam uma grama de gordura deixada pelo passado, a barriga do tempo passa a ser agora liquidada pelos personal trainers da política. Nenhum lipídio remanescente dos festins e orgias gastronômicas com verbas públicas, seja do passado ou do futuro.
É bem possível que em tempos de golpe, em que passamos a observar um projeto de esfera pública democrática reduzido à ruínas por uma turba cujo passado, e o futuro, estão sempre vindo à tona de forma comprometedora – “Caixa dois virá à tona etc.” –, as técnicas de blindagem passem, cada vez mais, por modos de aniquilação do tempo, da memória e do futuro, isto é, de empobrecimento da justiça e da comunicação pública.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.