Por Walterson Sardenberg, jornalista (texto publicado no Facebook em 01 de janeiro de 2025)

A foto foi tirada em 1986, mas publicada há apenas dois dias nas redes sociais. O que se vê é o grande Miles Davis vestido e totalmente bodado na cama, em seu apartamento de Nova York. Ao fundo, o Central Park. O autor da imagem é o fotógrafo japonês Shigeru Uchiyama, tremendo fã de jazz e hoje com 73 anos. Tornou-se, àquela altura amigo do músico — e publicou um livro desses registros, com o simbólico nome “No Picture!”.

À parte o clima de decadência, com um aparelho de TV fabricado havia mais de dez anos, e uma bagunça generalizada, chama a atenção os discos que Miles ouvia no quarto.

Lá estão um álbum de Stevie Wonder (“Hotter Than July”, de 1980) e outro de Prince (“Revolution/Parade”, então recém-lançado). Nenhuma surpresa.

Há também um LP de uma tremenda cantora de jazz e R&B, muito menos famosa, Randy Crawford (“Secret Combination”, de 1981, com uma canção chamada “Rio de Janeiro Blue”).

No chão, aparece ainda um CD do próprio Miles, “Star People”, de 1982. Muito bom, por sinal.

O que pode surpreender a muitos é o CD de Julio Iglesias, “1100 Bel Air Place”. Mas há atenuantes para o crime.

Julio, assim como Miles, também gravava para a Columbia (já então Sony Music). O pistonista pode ter ganho o disquinho da companhia. É bem provável.

Além disso, é bem capaz de ele ter ficado curioso. Sempre foi muito curioso. Aliás, mais do que isso, inquieto.

Este álbum de Julio, afinal, foi gravado tendo por apoio ótimos músicos americanos (quem sabe algum chegado de Miles). A ideia da gravadora era lançá-lo de vez para o público dos Estados Unidos, cantando em inglês, em grande estilo. O disco, de 1984, traz duetos com Stan Getz, Diana Ross, Willie Nelson e uma faixa com os Beach Boys.

Seja como for, é difícil imaginar Miles Davis ouvindo Julio Iglesias.

O pistonista morreu meia década depois, em 1991, aos 65 anos. Aparentava mais.