A sete meses e pouco da eleição, o que pode mudar o cenário das pesquisas que parecia cristalizado até outro dia, com larga vantagem de Lula sobre Bolsonaro, e a chamada “terceira via” fora de combate?
Compartilhado de Construir Resistência
Sem nenhum fato novo na política ou na economia, a pesquisa PoderData, do site jornalístico Poder 360, mostrou esta semana as primeiras oscilações na ponta da tabela, ainda dentro da margem de erro:
* Lula continua liderando em todos os cenários de primeiro e segundo turno, mas a diferença para Bolsonaro recuou 5 pontos, em relação à pesquisa anterior, de um mês atrás. A vantagem de Lula é agora de apenas 9 pontos (40 X 31).
* No mesmo período, o índice de rejeição de Lula subiu 5 pontos e foi para 43%, enquanto o de Bolsonaro caiu 6 pontos, estando agora em 54%.
É preciso agora aguardar as próximas pesquisas, para ver se essa tendência se confirma, mas uma coisa é certa: só a intensa mobilização das milícias digitais bolsonaristas, que voltaram a todo vapor nas redes sociais, pode explicar esta dança dos números.
Em 2018, a artilharia comandada por Carlos Bolsonaro e seu esquema, levado para o gabinete do ódio no governo, foi decisiva no turno final para aumentar a rejeição ao petista Fernando Haddad, acusado, entre outras coisas, de incentivar a pedofilia com a história da mamadeira de piroca e outras aberrações.
Lula é alvo de ataques não só de Bolsonaro, mas também de Moro e Ciro, que brigam pelo terceiro lugar, mas só atiram no líder das pesquisas, poupando o atual presidente.
Já se sabia que seria assim, mas não se nota até agora uma reação à altura PT nas mesmas redes, deixando a defesa e o contra-ataque apenas para declarações do próprio candidato, em entrevistas ou tuítes.
Enquanto os ministros do Tribunal Superior Eleitoral fazem pomposos discursos em defesa da democracia e ameaçam punir, até com cassação de candidatura e prisão quem usar criminosamente as plataformas digitais, até agora as mentiras e baixarias continuam livres, leves e soltas no submundo da internet.
É verdade que a campanha oficial só começa em agosto, mas se esperarem até lá para tomar providências, o assassinato de reputações de adversários políticos já poderá ter feito seu estrago para influir no andamento das pesquisas.
Até aqui, pelo menos neste campo, o antipetismo profissionalizado em escala industrial está levando ampla vantagem sobre o antibolsonarismo, que se alastra de forma dispersa e amadora, à medida em que se deterioram as condições de vida da população mais pobre, mas que em grande parte nem tem acesso às redes.
“Mesmo os mais confiantes aliados do ex-presidente afirmam que a disputa será bem mais apertada do que o confortável cenário de hoje”, escreve o colega Bruno Boghossian em sua coluna na Folha deste domingo, com o título “Lula em modo `pé no chão´”.
O colunista relata que, em conversas recentes, Lula deixou de lado os números das últimas pesquisas para lembrar a aliados que uma eleição difícil os aguarda.
Basta ver o volume de fake news divulgadas na última semana sobre a viagem de Bolsonaro à Rússia, dando conta de que o capitão “salvou o mundo de uma nova guerra”, versão que ele mesmo insinuou e foi replicada por filhos, parlamentares e um batalhão de robôs.
Saem da mesma fábrica as mil versões das “obras” de Bolsonaro, que governos anteriores fizeram, as ameaças de que “com Lula os vermelhos e os corruptos” vão voltar”, as “conspirações” do TSE contra o presidente, um verdadeiro mundo paralelo para enaltecer o “Mito” e detonar seus adversários, com acusações requentadas já enterradas pela Justiça.
Nesta disputa desigual, não sobra espaço para se discutir os reais problemas do povo brasileiro, os projetos e as propostas para tirar o país do buraco, até porque até agora o presidente não apresentou um plano do governo para o pós-pandemia.
Há um Brasil subterrâneo que a gente não vê, capaz de garantir a Bolsonaro um eleitorado cativo em torno de 25% dos brasileiros, o suficiente para levá-lo ao segundo turno e então deflagrar a guerra total contra Lula com as mesmas armas ilegais de 2018.
O jogo é pesado, sujo, violento, um vale tudo para se manter no poder a qualquer custo neste país destruído, inerme, anestesiado, diante de tantas desgraças.
A campanha eleitoral poderia servir, como em outras épocas, para uma renovação de esperanças, mas neste clima fica difícil até sonhar com dias melhores.
Se o TSE não agir a tempo, desde já, mais para a frente nada poderá fazer para impedir o esbulho da vontade popular.
Basta dar uma olhada nas redes para ver o que já está rolando, antes mesmo da campanha começar para valer.
Nota da Redação: texto publicado para assinantes na Folha de S.Paulo de domingo (20/01). O Construir Resistência não tem o hábito de reproduzir artigos publicados na grande mídia privada, mas abre exceção para os de Ricardo Kotscho e Cristina Serra.