Por Luiz Carlos de Freitas, publicado em Carta Campinas –
Pobreza, sentido!
A definição de escolas candidatas a serem militarizadas em Brasília, por exemplo, é feita em base ao IDEB, IDH e mapa da violência. Ou seja, é coisa destinada a pobre. É política que não se ousaria sugerir para outro estamento social do andar de cima.
Para adoçar a pílula tenta-se passar a ideia de que as escolas militares têm melhor desempenho por terem “ordem”, o que levaria, em tese, a um aumento do IDEB nas escolas militarizadas. O problema não seria a aprendizagem, mas a disciplina, pensam, e se ela for controlada, a aprendizagem melhora. Uma reportagem de Paulo Saldaña na Folha de São Paulo mostra a falácia desta expectativa: “os dados mostram que estas unidades não são uma panaceia“.
A militarização de escolas em escala, como está sendo proposta, é uma fria para o próprio modelo de escolas militares. Quando o estudante opta por estar em uma escola destas, ele já aceita o padrão disciplinar e de exigências constantes nela. Coisa muito diferente é que o poder público, sem se propor a dar opção de outro modelo de escola pública democrática e de qualidade, coopte os pais e professores para aceitar a militarização.
É descaradamente política de homogeneização de valores conservadores com a desculpa de que a “ordem” leva ao “progresso” (para os pobres). Os ricos já têm o progresso, pois em algum momento tiveram ordem, vale dizer, disciplina. Como diria Miguel Arroyo, há aí um “padrão de humanização” excludente.
Estas ideias conservadoras são proto-fascistas, tanto quanto as ideias neoliberais que imaginam a liberdade pessoal advinda de um darwinismo social onde a competição gera qualidade. E elas não se restringem à política educacional. Já temos propostas para que se condecorem os policiais que chacinam a marginalidade que produzimos e também para que os mortos nestes circunstâncias tenham seus órgãos obrigatoriamente doados.
Estas ideias insólitas sempre aparecem no andar de cima. Bill Gates também criou uma tese sobre os pobres. Segundo ele, o “mal funcionamento executivo do cérebro das crianças pobres” causa não só os problemas na sala de aula, mas também afeta negativamente o seu nível socioeconômico, a saúde física e até mesmo o uso de drogas e encarceramento por crimes.
Gerald Coles, um psicólogo educacional, escreve em Counterpunch que Bill Gates e Mark Zuckerberg pensam em financiar pesquisas sobre neurologia porque acreditam que o cérebro das crianças que não vão bem nos testes, não trabalha bem. Diz:
“Por que muitas crianças pobres não estão aprendendo e tendo sucesso na escola? Para o bilionário Bill Gates, que financiou o início dos fracassados Padrões Básicos de Currículo, e tem financiado o fracassado movimento das escolas charter, e Mark Zuckerberg, do Facebook, é hora de procurar outra resposta, no nível neurológico. O mau funcionamento das crianças pobres, particularmente o “funcionamento executivo” de seus cérebros, ou seja, a memória de trabalho do cérebro, a flexibilidade cognitiva e o controle inibitório devem ser a razão pela qual seu desempenho acadêmico não é melhor.
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A militarização não passa de artifício para “separar o joio do trigo”, como se diz. Incentivará a divisão social e a fragmentação nacional. Com esta concepção, vamos criar uma linha direta entre as escolas militarizadas e as prisões, excluindo os estudantes (especialmente os mais pobres e negros) com problemas comportamentais. Já somos a terceira população carcerária no mundo e ela vai aumentar com esta política.
Entre outras regras, a política das escolas militares restabelece o boletim de comportamento. Há um certo número de pontos relativos à disciplina que se forem superados, motiva a exclusão do aluno daquela escola.
Para muitas destas crianças que serão excluídas, a escola seria o único lugar que a protegeria do convívio com a criminalidade. Expulsas dela, não terão saída. Mesmo que se dirijam a outra escola, chegarão lá já estigmatizadas e continuarão seu processo de exclusão. As demais escolas do entorno que receberão estes alunos expulsos ou que não se adaptam, terão repercussões internas graves motivando mais militarização.
Onde você acha que isto nos conduzirá? (Do Blog do Freitas)
Luiz Carlos de Freitas é professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – (SP) Brasil.