Mimados

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor – 

Saí de casa com 16 anos. Morei em alojamento de estádio até os 19, quando assinei meu primeiro contrato como profissional. Naqueles três anos morando num quarto debaixo das arquibancadas eu vi o lado mais bonito e o mais feio do futebol. Conheci gente do bem, mas também conheci gente do mal, gente escrota de verdade. Até assédio sexual eu sofri, de um filho da puta que trabalhava nas categorias de base. Tive que sair na porrada para não perder a minha moral. Quase morri de saudade de casa. Senti um tipo de solidão que faz a gente pensar se não seria melhor estar morto.




Quando subi para os profissionais, eu era o terceiro reserva da minha posição. Ganhei a posição em questão de dois meses. A camisa 5 ficou comigo pelos três anos seguintes. Então fui jogar na Europa, mas num lugar escondido do mundo, num time que estava sempre brigando para não cair. Aprendi a língua, enfrentei o inverno (um frio que eu jamais imaginei que pudesse existir), fiz amigos, caí nas graças da torcida, participei da conquista do título mais importante da história do clube.

Fiquei muitos anos por aquelas bandas, um dos meus filhos nasceu lá, mas então surgiu uma proposta para encerrar a carreira aqui, minha mulher manifestou desejo de voltar, e assim regressei. A readaptação à terra natal não tem sido fácil. Venho tendo dificuldades em aceitar certas coisas. Ontem – e por ainda estar sob efeito do que ocorreu é que resolvi escrever este texto – tive uma desavença séria com um companheiro de time, um cara mais novo que eu. Ele é um daqueles sujeitos que, no vestiário, só reclamam. Isso contamina o ambiente.

O cara reclama de tudo e, volta e meia, trata os funcionários do clube (porteiros, seguranças, roupeiros) de um jeito desrespeitoso. Passei por tanto perrengue na vida, encarei tanta coisa, e aí vejo um marmanjo como esse, que tem parente na direção do clube e é sobrinho de ex-jogador, agindo desse jeito. No fim da discussão, a última coisa que ele me disse foi: “Vamos ver quanto tempo você ainda fica por aqui!” Então eu mandei ele ir se foder.

Não gosto de brigar com companheiros de time, mas tem certas coisas que eu não posso aceitar. Eu fui um menino que precisou se comportar como homem muito cedo. Quando vejo um homem se comportando como criança mimada eu fico louco. É por essas e por outras que eu acho que vou parar em breve. E nem penso em virar técnico. Se agora, como jogador, eu tenho vontade de bater nesses merdas, como técnico eu posso acabar… sei lá. Sei lá.

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