Minha cartinha ao presidente Lula

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Por Maria Inês Nassif – 

Querido presidente Lula,




Fico aqui pensando como pode estar bem um cara que passou a vida conversando, e tem vocação para ouvir, falar e ler a alma das pessoas, longe delas. Ou, quando a cela é aberta, apenas vendo algozes que não merecem um abraço, um carinho, um gesto de compreensão. Não deve ser fácil.

É ruim pensar que você está sozinho em uma cela, e é um tormento imaginar que o homem que não foi abatido pela perseguição e pela peçonha de seus inimigos possa ser ferido pela solidão. E a gente torce para que você use a sua teimosia nordestina e sua força para negar a eles também isso. Eles não merecem a sua tristeza.

Tenha certeza, porém, que a sua solidão é apenas um pequeno dado da realidade, apenas a impressão de quem se vê cercado por paredes. Lula não fica sozinho, porque Lula hoje é a companhia de todas as pessoas que viram emergir um Brasil tão melhor como em nenhum outro momento, tão importante como nunca, tão inclusivo como jamais antes fora.

Tá certo, a operação desmonte do golpe empurrou o país para trás com violência, ferindo-o de morte. Mas hoje sabemos onde podemos chegar e de onde deveremos partir para ir mais longe do que fomos nos governos seus e de Dilma. Você nos ensinou que não somos vira-latas. Nós vamos tirar o nosso país da UTI.

A gente também viveu em solidão até neste sábado. Desde o golpe de 2016, nos sentíamos desprotegidos. A violência contra nós e contra a democracia que nós construímos nos deu uma enorme sensação de impotência. Da mesma forma como você mudou a cara do Brasil nos seus governos, transformou o sentimento de abandono que entrou dentro da gente.

Até a brava resistência no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (e quando voltarmos ao poder podemos fazer um Museu da Resistência lá; o Sindicato merece), e até o seu discurso de 55 minutos para a multidão que o carregou no colo, e depois opôs resistência a que se entregasse, a gente se achava ilhado pelos irados golpistas.

Juntos, hoje, temos o seu tamanho, presidente. E o senhor é grande demais para ser só, ou para nos deixar sós. Nós ficamos grandes também e estamos juntos. Nós quebramos nossa solidão com a companhia um do outro, na luta pelo reconhecimento de sua inocência, pela sua liberdade e pelo nosso direito de votar em você de novo.

Os golpistas são hoje representados pelos rejeitados de suas classes (li isso em Marx, no 18 Brumário, e acho que é o que mais exprime essa matilha de ignorantes políticos, hipócritas, medíocres que dão bebida grátis, pleiteiam ministérios da Cultura sem ao menos ter capacidade de diferenciar pornografia da arte, proíbem educação ou torturam mulheres para comemorar sua prisão, são os lumpem); por uma burocracia jurídica que não consegue descolar de seu papel de office boy das classes dominantes; e por uma classe política onde prevalece a oligarquia e onde o lumpem, destituído do senso de Estado Laico, luta por espaço na máquina de favores governamentais e na definição da moral rasa da fé e de bons costumes que não obedecem em sua vida pessoal.

Não sei se eles se arrependerão do comportamento vil que tiveram no impeachment da Dilma, ou nos seus julgamentos em primeira e segunda instâncias, ou no Supremo Tribunal Federal (aliás, eu me pergunto quem é a opinião pública que o ministro Barroso atende confirmando a prisão de um inocente.

Na verdade, é uma minoria composta por bandidos, uma burguesia mal intencionada, interesses estrangeiros e uma classe média idiotizada pela Globo). Talvez não. O que sei é que eles acharam que estavam ainda em 1964 e iriam dar um golpe sem qualquer tipo de reação.

Hoje, quanto mais acirram o golpe, mais unem a verdadeira maioria: o povo que foi beneficiado por sua política e os patriotas que querem o Brasil de Lula, porque o Brasil de Lula é maior, melhor e mais justo que o deles.

Desculpa, presidente, ultimamente passei a falar muito, com muita indignação. Falo demais e voltei a escrever – eu havia brigado com as letrinhas nesses dois anos, achando que elas não cumpriram direito a missão de defender a democracia.

Como essa sempre foi a minha profissão e minha paixão, eu me dei por incompetente e passei a olhar para os teclados sem saber o que diria, envergonhada da minha insignificância. Voltei agora e estou recuperando minha paixão pela história, pelo causo, pelo relato.

Por hoje é isso. Agora vou levar a carta no Correio e escrever o livro que está no computador. Pedir ajuda das letrinhas para dar ao livro, cujo tema é o passado, a dimensão desses tempos presentes.

Um abraço da

Inês Nassif

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