Por Marcelo Auler em seu Blog –
Sem maiores alardes, o Ministério da Justiça, onde Sérgio Moro assumiu prometendo fazer cumprir as leis e combater a impunidade, acabou fazendo justamente o contrário: ajudou a abafar um crime e garantir a não punição do responsável.
No último dia 17 de outubro, o ministro da Justiça substituto, delegado federal Luiz Pontel de Souza, através da Portaria 787, anulou o Processo Administrativo Disciplinar 08200.001127/2015-96 (PAD 04/2017 COGER-PF) que puniu, com apenas oito dias de suspensão, o delegado federal Maurício Moscardi Grillo, um dos próceres da Operação Lava Jato.
A punição foi determinada por portaria do diretor substituto do Departamento de Polícia Federal (DPF), delegado Disney Rosseti, de 9 de setembro passado, em consequência da conclusão do Processo Administrativo aberto contra Grillo. O PAD concluiu que ele “trabalhou mal” ao presidir a Sindicância 04/2014. A decisão de Pontel ocorreu em recurso impetrado pelo delegado punido.
Na sindicância 04/2014, Moscardi teoricamente deveria investigar um grampo ilegal encontrado na cela do doleiro Alberto Youssef, em 29 de março de 2014, doze dias depois dele ter sido preso (17/03 /2014) na primeira fase da Operação Lava Jato.
Na verdade, com a conclusão por ele apresentada na sindicância, o “trabalhar mal” foi um mero eufemismo para algo bem mais grave.
Afinal, concluiu falsamente que o aparelho de escuta achado pelo doleiro era antigo e estava desativado. Relacionou-o até à época em que o traficante Fernandinho Beira Mar esteve preso na Superintendência Regional da Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR), em 2008.
Só não atentou para pequenos detalhes: o traficante utilizou a cela 3, enquanto que o doleiro estava na cela 5. Afora isso, o aparelho encontrado em 2014 pertencia ao próprio DPF e só chegou à SR/DPF/PR cinco meses depois de o traficante ter deixado a custódia. Eram aparelhos distintos.
A conclusão, portanto, não é a de que o delegado tenha apenas trabalhado mal. Ele conduziu toda a sindicância com o intuito de abafar o fato de a Lava Jato ter recorrido a uma escuta ilegal que, como denunciou o agente de Polícia Federal, Dalmey Fernando Werlang, em maio de 2015, foi instalada a mando da cúpula da SR/DPF/PR. A partir desta confissão, uma nova sindicância foi instaurada, a 04/2015.
Presidida pelo delegado Alfredo Junqueira, da Corregedoria Geral (COGER-DPF), em Brasília, a nova investigação não apenas confirmou o funcionamento do grampo, como ainda resgatou 263 horas e 41 minutos de conversas dos presos daquela cela. São áudios cujo conteúdo das conversas até hoje não foi revelado. Tal e qual este Blog vem noticiando, há quatro anos, como nas postagens –Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas, (outubro/2015) e em Armação Federal II: “indisciplinas” do DPF Moscardi, (fevereiro/2017).
O grampo é uma das ilegalidades cometidas pela Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba jamais esclarecidas e, consequentemente, nunca punidas a contento. Investigações realizadas em inquéritos policiais que o Ministério Público Federal (MPF) e a própria Justiça Federal impediram a conclusão, como o IPL 01/2017, ou mesmo o que foi apurado em Processos Administrativos Disciplinares deixaram claro que ao instalar a escuta na cela o agente Werlang não agiu por iniciativa própria. Cumpriu ordens.
Desde que confessou ao delegado Mario Renato Fanton, em maio de 2015, a autoria da instalação do grampo, Werlang alegou ter agido obedecendo determinação da cúpula da SR/DPF/PR. A ordem para ele montar a escuta, que ele desconhecia ser ilegal, partiu como sempre afirmou, do delegado Igor Romário de Paulo, então coordenador da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR). Foi dada na presença do então superintendente Rosalvo Ferreira Franco e do delegado Márcio Adriano Anselmo, que comandava a Força Tarefa. Fato também amplamente noticiado nesse Blog desde 2015 – Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR (20/08/2015).
Os três delegados, porém, não eram os únicos a saber do funcionamento do grampo ilegal. Afinal, após captar os áudios, o agente entregava Pen Drives com o conteúdo das gravações a Adriano Anselmo e à delegada Erika Mialiki Marena, então à frente da Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros. Nos computadores de ambas também deveria existir vestígio desses áudios. Mas eles jamais foram periciados.
Ao presidir a sindicância, Moscardi Grillo deixou de lado questões básicas, como submeter o aparelho encontrado no forro da cela a uma perícia. Sequer checou a origem do mesmo. Conduziu os trabalhos no sentido de não confirmar o uso da escuta ilegal, com o intuito de não comprometer – com uma ilegalidade flagrante – a Operação Lava Jato em seu início.
O próprio agente Werlang contribuiu com a falsidade da sindicância ao apresentar um parecer técnico em que afirmava que o aparelho, nas condições em que lhe foi apresentado, não tinha condições de captar áudios. Não é de se estranhar, pois o mesmo foi danificado ao ser puxado pelo preso Carlos Alberto Pereira Costa pela boca de iluminação da cela. De qualquer forma o agente até hoje responde por falsidade ideológica ao elaborar tal documento.
A partir da nova sindicância, a 04/2015, que confirmou a existência do grampo, vários outros procedimentos foram abertos. Em todos, porém, a preocupação sempre foi de não aprofundar as investigações para não atingir os delegados da antiga cúpula da Superintendência do DPF no Paraná, muitos deles hoje ocupando cargos em Brasília, levados pelo atual ministro, o ex-juiz Sérgio Moro.
Este também contribuiu para abafar o caso do grampo. Tal como noticiamos em julho passado, o próprio Moscardi, em depoimento em juízo como testemunha, admitiu a interferência de Moro, ainda titular da 13ª Vara Federal, na sindicância interna do DPF que ele presidiu. Antes de concluir aquela investigação, ele submeteu-a a apreciação do magistrado, ainda que ele não tivesse qualquer ingerência sobre a mesma, um procedimento interno do DPF.
Curiosamente, o juiz acatou o trabalho, apesar de sua recomendação inicial, em abril de 2014, de que a investigação fosse acompanhada pelo Ministério Público Federal, não tivesse sido cumprida. O MPF, que se vangloria de ser fiscal da lei e de ter o controle externo da polícia, se omitiu em todo esse caso e também contribuiu para abafá-lo.
As tentativas da Polícia Federal de responsabilizar apenas o agente pelo grampo ilegal acabaram sendo frustradas. Nas poucas investigações realizadas, como nos Processos Administrativos, ficou patente que Dalmey jamais conseguiria instalar uma escuta ambiental em uma cela sem que houvesse determinação ou, ao menos, autorização, da cúpula da SR/DPF/PR.
Inicialmente ele não tinha acesso liberado à custódia, onde estranhos ao serviço só ingressavam com autorizações superiores. Também não dispunha de poderes para retirar todos os presos das celas, de forma acessar a laje sobre a mesma onde instalou o aparelho que captava os áudios. E as celas, comprovadamente foram esvaziadas com diversos presos levados para a área onde tomavam banho de sol por aproximadamente três horas, na tarde do dia 17 de março de 2014, data da chegada dos réus da Lava Jato.
Logo ficou evidente que a punição do agente descambaria na necessidade de se chegar a quem o ordenou. Tudo que a Lava Jato não deseja. Isso ficou evidente quando o delegado Marcio Magno Xavier, da Coordenadoria de Assuntos Internos (Coain) da Corregedoria Geral do DPF (COGER/DPF) foi impedido, pelos procuradores regionais da República, Antônio Carlos Welter e Januário Paludo, de prosseguir nas investigações do IPL 01/2017 COAIN/COGER/DPF (Autos nº 5003191-72.2017.404.7000). O inquérito foi aberto para investigar a falsidade ideológica do agente Werlang, mas o delegado sabia que tinha que chegar aos mandantes da instalação do grampo.
Foi tudo o que os procuradores não permitiram. Como eles não conseguiriam justificar as 260 horas de áudios captados e encontrados no computador utilizado por Werlang, Welter e Paludo, em despacho apresentado ao juiz Nivaldo Brunoni, da 23ª Vara Federal – que acatou o arquivamento extemporâneo do IPL – levantaram a tese de que aquelas conversas tinham sido feitas por celulares que estariam em poder dos presos, indevidamente.
Algo surreal, pois foram conversas ocorridas nos primeiros 12 dias da operação. Basta lembrar que nenhum aparelho celular foi encontrado na cela quando, em 10 de abril, a cúpula da Superintendência, alertada por um delegado de Polícia Civil, realizou uma busca para apreender o equipamento de áudio. Tudo como noticiamos em MPF, para esconder grampo ilegal, lança versão incongruente e em Lava Jato anunciou decisão antes de o juiz assiná-la (ambas editadas em agosto/2017).
Com a anulação do Processo Disciplinar que puniu o delegado Moscardi, a Polícia Federal e a cúpula da Lava Jato – que sempre disseram combater a ilegalidade – conseguem um feito extraordinário. Tomam conhecimento de um crime, mas passam por cima dele e tentam jogar para debaixo do tapete. Até quando?