Publicado em Socialista Morena –
O MPT (Ministério Público do Trabalho) soltou quatro notas técnicas no início do ano contrárias aos projetos de “modernização” da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) que o governo Michel Temer pretende aprovar no Congresso Nacional a toque de caixa. O principal ponto das críticas feitas pelos procuradores é que, ao contrário do que afirma o governo e as entidades patronais, flexibilizar a jornada de trabalho, por exemplo, não gerará empregos e só irá piorar a vida do trabalhador.
“Em nenhum país em que foi adotada a jornada móvel houve aumento de emprego. Se não gerou emprego em lugar algum, por que aqui iria gerar?”, questiona o Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury. “O que gera empregos não é a redução dos custos e sim o aumento da demanda. O que a redução de custos proporciona é o aumento da margem de lucro dos empresários. No máximo, tira a empresa do sufoco.”
Para afirmar tão categoricamente, o procurador se baseia em um estudo recente da OIT (Organização Internacional do Trabalho), Emprego Mundial e Perspectivas Sociais 2015: a Natureza Cambiante do Trabalho, em que foram analisadas estatísticas de 63 países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento. “O estudo, com dados dos últimos 20 anos, conclui que a diminuição na proteção dos trabalhadores não estimula a criação de empregos e não é capaz de reduzir a taxa de desemprego”, diz a nota do MPT.
A pesquisa da OIT demonstra que, diferentemente do que têm afirmado o governo e as entidades patronais, não existe correlação entre diminuir a proteção ao trabalhador e as taxas de ocupação e desemprego. Curado Fleury lamenta que, num momento de crise, em vez de buscar proteger o trabalhador, o governo federal e o Congresso busquem fragilizá-lo. “Em momentos de crise, a atitude do Estado tem que ser de proteção ao trabalhador, não de desproteção. Infelizmente, sempre tende para o lado do empregador.”
Em novembro, a OIT alertou para um aumento global, nos próximos anos, dos empregos considerados precários ou atípicos, que incluem trabalhos temporários, de meio expediente, com subcontratos, autônomos e outros. Em termos trabalhistas, o Brasil possui, desde os anos 1940, uma das legislações mais avançadas do mundo, que ampara o trabalhador. Retirar estas proteções pode ser um tiro no pé para as empresas, porque assegurar os direitos dos trabalhadores aumenta a produtividade e, isso sim, pode gerar mais contratações.
O MPT comprova isto citando justamente a mais famosa empresa a adotar a polêmica jornada flexível, ao ponto de tê-la tornado conhecida em toda parte como “jornada McDonald’s”. A gigante da junk food tem sido alvo de protestos de trabalhadores em todo o mundo por conta da jornada móvel variável, sobretudo em sua terra natal, os Estados Unidos. Funciona assim: a pessoa trabalha por hora e só sabe na véspera qual será seu turno. Se não trabalhar nada, não recebe nada, porque não é fixado um salário mínimo. Isto pode acontecer no Brasil porque o projeto de “flexibilização” de Temer prevê a prevalência do acordado com o empregador sobre o legislado.
“Neste tipo de jornada, o trabalhador é como uma máquina: só vai ser pago se você ‘ligá-lo’. Ou seja, é a coisificação do trabalhador, a precarização da precarização”, critica o procurador-geral. Mas vejam só: em 2013, o MPT firmou um acordo judicial com o McDonald’s, onde a empresa se comprometia em extinguir a jornada móvel variável em todas as suas unidades no Brasil e aderir à CLT. O que aconteceu desde então? A extinção da jornada AUMENTOU o número de empregos e o número de lojas do McDonald’s.
Como nos demais projetos do governo Temer, cujo slogan ironicamente é “Ponte para o Futuro”, a reforma trabalhista também preocupa por representar, na verdade, uma volta ao passado, a uma época em que os trabalhadores não tinham proteção alguma e trabalhavam até 16 horas por dia. No caso da jornada móvel variável, é uma prática que foi proibida em países como a Nova Zelândia e a Inglaterra, e começa a ser impedida por prefeitos em cidades dos EUA. “O movimento no mundo inteiro é oposto”, afirma Fleury. “Qual realidade a gente quer para o trabalhador brasileiro, a dos países europeus ou a de Bangladesh?”
Outra ponte para o passado da reforma trabalhista de Temer é permitir que existam jornadas de até 14 horas, como era na época da revolução industrial. A modernidade aponta em outra direção: reduzir a jornada para que mais pessoas trabalhem. Existem estudos comprovando que a redução da jornada aumenta a produtividade, assim como diminui os riscos de acidentes e, consequentemente, as ações trabalhistas –desmentindo outra falácia seguidamente repetida, de que, desprotegendo o trabalhador, irá acabar com a alegada (pelo patronato) “indústria das ações trabalhistas”.
“Está comprovado que mais de 80% dos acidentes de trabalho acontecem nas duas últimas horas, quando o trabalhador está mais cansado e com os reflexos menos aguçados”, diz o procurador-geral. Ele citou o exemplo do acidente ocorrido com o navio Trade Daring, da Vale do Rio Doce, no terminal de Ponta da Madeira, em São Luis, em 1994. O navio se partiu ao meio, acarretando prejuízo para todos os envolvidos com o fechamento do porto por mais de um mês.
No inquérito, soube-se que, além da excessiva velocidade no carregamento, o responsável pelo serviço já estava trabalhando havia 12 horas quando o casco cedeu. “Não tenho dúvidas que aumentar a jornada vai causar mais ações trabalhistas, mais fraudes, mais contestações na Justiça, mais processos envolvendo a saúde do trabalhador e, consequentemente, aumentar o déficit da Previdência”, afirma Curado Fleury.
Não bastasse a jornada flexível e o aumento da jornada, Temer também está empenhado em aprovar a regulamentação da terceirização. Em dezembro passado, o governo chegou a tentar uma manobra para aprová-la sem o aval do Senado, ressuscitando um projeto do governo FHC parado na Câmara desde 2002. Para os procuradores do Trabalho, o projeto de terceirização total e irrestrita do consórcio PMDB-PSDB é uma contradição ao próprio capitalismo, que pressupõe capital e trabalho. Com a terceirização de tudo, será possível uma empresa que produz sem ter empregados, uma escola que não possui professores, um jornal que não emprega jornalistas…