Minitexto de Sonia Nabarrete sobre a bizarrice presidencial

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Mais minitexto da ótima  escritora e jornalista Sonia Nabarrete.  Desta vez com bizarrices no tempo de fascismo.

Entre aqui e adquira o novo livro de Sonia Nabarrete  “O mundo parou, mas a gente não desceu”, que tem minicontos tão bem humorados como este.




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– Presidente, precisamos conversar.

– Agora não, tô vendo um programa muito legal.

– Que é isso? O holocausto alemão?

– Não, este foi aqui mesmo. Mais de 60 mil morreram num tal de Hospital Colônia, um hospício lá em Barbacena.

– Quando foi isso?

– Durou tempo para caralho, de 1903 a 1980. Tudo quanto era tranqueira enviavam para lá: epiléticos, alcoólatras, viados, meninas grávidas pelos patrões, esposas ou amantes que enchiam o saco, criança que nascia com defeito. Todos eram considerados doidos.

No hospital, eles apanhavam, tomavam choques, passavam fome e frio, as mulheres mais bonitinhas eram violentadas. Depois, vendiam os corpos para as faculdades de Medicina.

– Presidente, o senhor não está pensando…

– Mas é claro que estou. Um negócio desses cai como uma luva para o meu projeto de governo. A gente poderia mandar para um lugar assim uma pá de negros, gays, quilombolas, índios, os petistas todos, essas feministas do caralho.

E ainda podemos lucrar, vendendo os corpos para as universidades de todo o mundo. O Brasil será o maior exportador de cadáveres do mundo.

– Mas para isso teria que ter uma legislação.

– Esse tal de hospital Colônia era um lance do Estado, mas tinha a conivência de médicos, funcionários e da população. Tudo isso a gente consegue fácil, fácil. Vamos fazer uma faxina neste país.

– Parece uma excelente ideia.

– Mas agora que me interrompeu, diz logo o que queria.

– Acho que o senhor não vai gostar de ouvir.

– Desembucha logo, caralho!

– É sobre a primeira-dama.

– O que tem ela?

– Confidenciou a uma amiga que está com o saco cheio daquele velho asqueroso.

– Que velho asqueroso?

– Desculpe, presidente, mas acho que só pode ser o senhor.

– Que porra é essa? Conte exatamente o que ouviu.

– Na verdade, eu não ouvi. Elas se comunicavam por linguagem de sinais e eu tenho o curso de Libras.

– É mesmo? O que ela contou?

– Disse que não aguenta mais suas fantasias sexuais. Que acha um saco usar a peruca com topetinho estilo Trump, enrolar-se em uma bandeira dos Estados Unidos e encher o senhor de porrada.

– Caralho… Sempre achei que ela gostasse.

– Gosta não, presidente. E disse que o pior momento é quando ela tem que cagar na sua cara.

– Que mulher mais fofoqueira, contando nossas intimidades por aí.

– Mas isto nem é o pior.

– Não?

– Para encarar as sessões de sexo, ela tem recorrido a fantasias. Pensa em outro quando dá para o senhor.

– E ela disse quem é o filho da puta?

– Lamento dizer, mas é um barbudo famoso.

– Não, aquele lá não. Não mereço isso. Traidora! Vou matar aquela vaca.

– O senhor está ficando vermelho, está esquisito, acho melhor chamar um médico. Acho que está infartando. Presidente, presidente, responde por favor. Presidente!

Eita, nem deu tempo de dizer que ela fantasiava com o Che Guevara. Mas também, com aquele papo de endurecer sem perder a ternura, até eu.

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