Mirisola critica turismo predatório em favelas

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Por Marcelo Mirisola, Brasil 247, reproduzido no Portal Geledes – 

Repercutindo entrevista de Arnaldo Bloch, no jornal O Globo, com a professora do Vidigal Bárbara Nascimento, o autor paulistano Marcelo Mirisola publicou artigo em seu blog no Yahoo criticando os jeep tours em favelas: “Pior do que safári. O nome disso não é turismo, é algo – pensando bem – que ultrapassa a selvageria, o nome disso é humilhação. O Rio está doente, como se suas “belezas naturais” estivessem cansadas do uso e do abuso, ou daquilo que a professora Bárbara chama de apropriação. A vista é linda. Assino embaixo”, afirma

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Por Marcelo Mirisola no Brasil 247

O autor paulistano Marcelo Mirisola escreveu artigo em seu blog no Yahoo repercutindo a entrevista de Arnaldo Bloch com a professora do Vidigal Bárbara Nascimento, publicado n’O Globo: “Professora Bárbara diz que não é macaca para ser fotografada pelos gringos. A propósito: qual é a desses gringos? Nem os arrastões nas praias, muito menos os nóias na Avenida Brasil. Nada, nenhuma desgraça carioca, se compara a selvageria dos Jeeps que sobem os morros apinhados de “turistas” armados com suas câmeras à caça de estereótipos”, afirma.

Essa forma de turismo, que coloca a favela no lugar de zoológico humano, é criticada por ativistas como André Constantine, do Favela Não se Cala, e já foi tema de quadro de humor do Porta dos Fundos, com roteiro de Gregório Duvivier.

Leia abaixo o artigo na íntegra:

Por *Marcelo Mirisola, para o Blog do Marcelo Mirisola

Respeite o bioma. Não fotografe nem alimente nossas crianças

Sensacional a entrevista que Arnaldo Bloch fez com a professora Bárbara Nascimento (jornal O Globo de 5/1). Fiquei fã dessa mulher: “Qualquer grupo é comunidade. Não tem cara. Favela significa algo. Um lugar. História. É uma palavra bonita. Está nas canções. E comunidade? O que é? Parece o eufemismo de falar “moreno” em vez de “negro”.

As palavras existem para isso. Fugir das palavras é perpetuar o engano, a fraude. Eufemismo no Brasil é meio de vida, tem muito malandro(a) que vive de eufemismos (leia-se lei Rouanet, CNPq, CAPES, SESC, Paccs etc etc ) aqui em nossas plagas, e arrota alto.

Bárbara é moradora da Favela do Vidigal. E reclama da apropriação que estrangeiros e oportunistas fazem da paisagem: “Tem até um Belmonte. Belmonte* é coisa de favela?”.

Recentemente – só para constar – a cantora Madonna adquiriu uma propriedade no morro. Tá na moda. Playboys, socialaites e deslumbrados em geral não só investem em imóveis como alugam lajes para festejar a cultura carioca, “tudo junto e misturado” – que é o mantra da Regina Casé, a eufemista-mór da República das Bananas.

Só que pobre não entra. Ou entra apenas para distrair a pleiboizada. Nesse trecho da entrevista, lembrei da peça de Mário Bortolotto: “A frente fria que a chuva traz”. A peça é praticamente gêmea univitelina da entrevista da professora Bárbara, e agora foi filmada por Neville d’Almeida. Tô curioso pra ver o resultado.

Professora Bárbara diz que não é macaca para ser fotografada pelos gringos. A propósito: qual é a desses gringos? Nem os arrastões nas praias, muito menos os nóias na Avenida Brasil. Nada, nenhuma desgraça carioca, se compara a selvageria dos Jeeps que sobem os morros apinhados de “turistas” armados com suas câmeras à caça de estereótipos.

Pior do que safári. O nome disso não é turismo, é algo – pensando bem – que ultrapassa a selvageria, o nome disso é humilhação.

O Rio está doente, como se suas “belezas naturais” estivessem cansadas do uso e do abuso, ou daquilo que a professora Bárbara chama de apropriação. A vista é linda. Assino embaixo.

Outro dia precisei ir à Unirio para resolver umas encrencas, a universidade fica na Urca. Era quase meio dia e meia. Depois de não ter resolvido coisa nenhuma, decidi que a praia Vermelha – perto dali – era um bom lugar para esquecer da vida. Nada como o sargaço, as gaivotas e a lembrança de que o Rei, antes de se revelar um ditadorzinho brega, compôs “Detalhes” naquele lugar.

Nada como um auto-engano e uma paisagem para esquecer da realidade: “não vá dizer sem quer meu nome/ a pessoa errada”

Subitamente, porém, me ocorreu uma sensação de perda que incorporava o azul do céu e os séculos que demorei para chegar naquela boca de praia, como se eu – paulistano branquelo – dividisse a responsabilidade com os exploradores de tantos mares por ter gastado a paisagem que, naquele instante, não tinha cabimento nem enseada, nem morro da Urca, nem “Detalhes” nem nada que a justificasse.

Ocorre que, ao contrário das minhas expectativas românticas, um grupo de índios ( sim, índios!) e mendigos banhava-se em meio a sacolas de lixo e garrafas pet que iam e vinham ao sabor das ondas oleosas. O Brasil da professora Bárbara rebentava na Praia Vermelha.

Aos poucos consigo entender o que aconteceu – algo que resulta em perda e cansaço, e remoe engulhos do lixo trazido à praia junto aos índios e mendigos: como se o entorno, eu, e as velhas canções do Roberto tivéssemos apodrecido junto à paisagem e na direção oposta das histórias da professora Bárbara (que também escreve uma tese de mestrado) e que, de certa forma, fez a minha ficha cair num lugar muito mais verossímel e menos hediondo do que o zoológico onde nos prenderam.

* Pra quem não mora no Rio de Janeiro: Belmonte é uma espécie de McDonald’s dos botecos.

*Marcelo Mirisola tem 47 anos, é paulistano e radicado na ponte-rodoviária Bixiga-Rio de Janeiro há dez anos. Escreveu mais de uma dúzia de livros, dentre eles destacam-se Bangalô, O Herói Devolvido, Joana a Contragosto e O Azul do Filho Morto. Não se identifica com nenhuma corrente da literatura brasileira contemporânea, embora alguns críticos o considerem o Pedro Alvares Cabral da autoficção aqui em nossas plagas. Também é dramaturgo.

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