Miruna, filha de Genoino: “A grande mídia parecia sentir prazer em nos sufocar”

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Por Socialista Morena – 

Entre 1981, o ano em que Miruna nasceu, e 2005, ano em que estourou o escândalo do mensalão, o cearense José Genoino Guimarães Neto foi um político de esquerda respeitado por todo mundo, até mesmo pelos adversários. A partir de 1982, quando foi eleito deputado federal pelo PT pela primeira vez, Genoino se tornaria um dos mais brilhantes e habilidosos parlamentares que o Congresso já conheceu. Para Miruna, era ainda o herói a quem escutava, embevecida, contar que, quando menino, percorria a pé 14 quilômetros por dia, sob o sol inclemente do sertão de Quixeramobim, para poder estudar.




Depois do mensalão, tudo mudou. Genoino, um político reconhecidamente honesto que jamais acumulara bens além da casa simples em que vive até hoje, em São Paulo, seria tratado como um pária, um ladrão, um corrupto. E sua família, assediada e perseguida por uma imprensa feroz e sádica em sua sanha antipetista. Antigos bajuladores de Genoino na imprensa viraram-lhe as costas e se calaram, cúmplices do linchamento. Nenhum dos repórteres que cobriam a Câmara no auge do petista como parlamentar foi capaz de se solidarizar, de defendê-lo da injustiça de uma condenação a seis anos e 11 meses de prisão apenas por ter assinado, como presidente do PT, um empréstimo quitado e declarado à Justiça eleitoral.

“Antes de magoar minha família como um todo, esta atitude da imprensa magoou demais meu pai, porque ele não esperava este tratamento unilateral, sem espaço para a verdade, com tanta manipulação”, diz Miruna. “Ele rememorava toda a luta na ditadura por uma imprensa livre, dedicou-se totalmente a atender esta imprensa, mas, quando precisou, foi achincalhado. Para nós, da família, a grande mídia foi responsável por grandes traumas em nosso dia a dia. Não respeitaram meus filhos, na época com 5 e 6 anos de idade, não respeitaram nossa privacidade, riam de nós, pareciam sentir prazer em nos sufocar. Muito triste ter vivido isso.”

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Trecho do primeiro texto de Miruna, de 2012, após a condenação do pai

A educadora, primogênita de Genoino, vai lançar, em março, o livro Felicidade Fechada, onde transmite a visão dos familiares do petista sobre uma das maiores injustiças da história recente do país. Além do depoimento dela, são reproduzidas as cartas que enviou ao pai durante os nove meses em que ele ficou encarcerado na prisão da Papuda, em Brasília. Rejeitado por várias editoras, o livro se tornou possível graças a uma “vaquinha” virtual que Miruna fez no ano passado, arrecadando quase 100 mil reais para a edição.

É uma obra delicada, onde o olhar carinhoso da filha aparece em primeiro plano, sem lugar para rancor, mágoa ou vingança. Os capítulos são ilustrados com pássaros bordados em um pano por dezenas de mãos amigas, uma ideia da mãe de Miruna, Rioco, para homenagear o amado, como uma Penélope da era moderna que espera a volta de seu Ulisses. Foi este tecido que Genoino amarrou no pescoço ao se entregar à Polícia Federal para ser preso, em novembro de 2013. A “capa” do herói de Miruna virou a capa do livro.

“Nessa história, não vou falar de dados e informações. Não vou ficar explicando que meu pai é inocente, porque os empréstimos que ele assinou foram registrados na Justiça Eleitoral e já foram pagos pelo PT e aceitos pelo Tribunal de Justiça Eleitoral. Isso foi relatado e é verdade. Não vou dizer que não existiam provas que o condenassem. E vou tentar não ficar aqui soando como uma magoada, repetindo que o acontecido foi um tribunal de exceção. Não pretendo falar de tudo, porque quero contar a verdade desde dentro, desde quem viveu cada momento, desde quem cresceu sendo criada por um pai exemplar, que se tornou um avô iluminado e que jamais roubou nada de ninguém, nem deixou de seguir os princípios de justiça e igualdade que sempre o guiaram”, adverte, na introdução.

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Genoino com a filha Miruna aos 2 anos de idade. Foto: arquivo pessoal

No livro aparecem poucos nomes. Relator do mensalão no Supremo e principal algoz de Genoino, o ex-ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, surge como “o relator”. Miruna explica que preferiu assim porque seu pai sempre aconselhou os familiares a não “fulanizar” o processo. “Alguns nomes específicos ficaram fortes neste percurso? Sim. Mas não foram estes nomes que decidiram, foi um movimento grande. Foi a grande imprensa, foi a opinião pública, que acreditou, foi o STF como um todo, não um juiz. Por isso colocar nomes só fica alimentando a fulanização e nosso foco é no processo, como um todo, que foi injusto.”

Miruna também evitou escrever sobre as decepções que a família deve ter sofrido ao longo do processo. “Meu livro não trata de vingança, não trata de ‘toma lá dá cá’, algo que meu pai sempre nos ensinou a abominar. Meu livro trata de vida. Da vida de pessoas reais, com suas vidas, e que tiveram de se unir para enfrentar a injustiça. Meu livro quer deixar um registro para meus filhos, e a geração deles, e as posteriores, de que José Genoino é inocente. E isso é o mais importante, não as decepções.”

Um dos momentos mais tocantes é quando a família, reunida após um almoço descontraído com amigos, recebe, de repente, a notícia de que Genoino será preso.

“Foi quando o telefone do meu pai tocou. Ele mudou sua expressão, foi falando e se levantando, e nós não conseguíamos falar. Ele desligou e disse: ‘Saiu o papel. Chegou a hora pessoal’. Voltar àquele momento é algo muito difícil, porque não existem palavras que possam mostrar para quem está aqui comigo agora, acompanhando essa espécie de memória, o que sentimos naquele momento. No começo, todos nos abraçamos ao meu pai, mas ele não nos abraçava por muito tempo, apenas segurava nos nossos braços e dizia, ‘Vamos, vamos’. Depois, cada um foi para um lado… Eu não sei bem dos meus irmãos, mas minha mãe foi a única que não deu espaço para si mesma e começou a organizar tudo o que meu pai precisava levar, suas roupas e seus pertences. Meu irmão, tão parecido que é com a minha mãe, prático quando é preciso, subiu correndo para o quarto e começou a colocar em um papel os horários dos remédios do meu pai, que recentemente tinha tido uma confusão na forma de tomar e estava sendo medicado com a ajuda do filho. Eu chorei e gritei. Muito. E forte. (…) Com a mala pronta, esperando o advogado, meu pai foi para a cozinha e disse: ‘Vamos lá pessoal, é uma injustiça, mas eu estou forte, vamos lá, vamos começar logo com isso’. Meu pai não aguentava mais a tortura de esperar e mostrava que já que era para viver a injustiça, que começasse logo de uma vez.”

Para visitar Genoino na Papuda, sua mulher e os três filhos (há ainda Mariana, de outra relação do petista) tinham que se submeter a uma humilhação extra: vestir-se completamente de branco, dos sapatos às roupas íntimas.

“Minha primeira visita ao presídio da Papuda, localizado em Brasília, começou bem cedo, quando saí de São Paulo para vir para cá, e continuou ontem cedo quando nos levantamos e vestimos todos, eu, minha mãe, meu irmão e meu cunhado, roupas brancas dos pés à cabeça. Cueca branca, calcinha branca, sutiã branco, sem bojo, calça branca, camiseta branca, chinelo branco. Tudo branco. Exatamente igual à roupa que os presos precisam usar: branco. Desde que soube que isso era assim, pensei e busquei todo tipo de explicação para essa obrigatoriedade imposta aos familiares e apesar de já ter ouvido todo tipo de ideias, só penso em uma coisa: marcar as famílias. Marcar e humilhar as famílias com a mesma vestimenta que qualquer preso do CIR-Papuda precisa usar para cumprir sua pena, mostrar, a quem quer que seja e saiba, que quem veste branco tem um familiar preso, com toda a carga emocional que isso significa. Mulheres, homens, velhos, crianças, bebês, todos de branco”, escreve.

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Ronan, Miruna e Rioco esperam para visitar Genoino na Papuda em 2013. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Causa indignação ler o relato de Miruna sobre a extrema agressividade de repórteres e fotógrafos no contato com a família do então deputado federal, e a forma como a imprensa se portou diante do problema de coração que ele teve durante o processo.

“Todo este processo foi duro, mas a maior ferida de todas, a ferida que nunca cicatrizará, é aquela causada pela revolta e indignação por terem conseguido, mídia e pessoas covardes, colocar em dúvida a real condição de saúde do meu pai. Quem dera ele nunca tivesse tido a dissecção da aorta. Estaria sem a domiciliar, sem nós, mas estaria com o coração forte. Quem dera ele não necessitasse cuidados médicos por conta da coagulação de seu sangue; ele estaria comendo mal, mas não teria a ameaça de um AVC. Quem dera não tivéssemos que passar por juntas médicas, que olhavam meu pai como um enganador de sua própria condição de saúde.”

Pergunto a Miruna como é o estado de espírito de José Genoino hoje, fora da prisão, seu cotidiano…

– Ele também pretende escrever um livro?

– Meu pai é um homem com imensa capacidade de se reinventar e como filha me orgulho profundamente disso. Hoje ele se dedica a conversas sobre sua paixão, que é a política, e a sociedade democrática e justa, com grupos de amigos e pessoas que queiram ouvi-lo, refletir com ele. Está estudando, pois isso é algo que ele jamais deixou de lado e está se dedicando muito à família, em especial aos netos, fazendo com eles o que não pôde fazer por mim e por meus irmãos por conta da política. E sim, quando chegar o momento meu pai vai falar, vai contar a sua verdade e sua história.”

– Como vocês estão acompanhando a nova prisão de Zé Dirceu e a Lava-Jato?

– Nós sentimos muito esta prisão do Zé Dirceu e somos totalmente solidários a ele e sua família por toda a arbitrariedade a qual ele já foi e continua sendo submetido. A Lava-Jato nos preocupa pela quantidade de novas formas e processos jurídicos que mostram que precisamos repensar esta relação mídia e justiça, pois certamente quem é citado não consegue nunca mais se livrar desta marca, já tem seu nome jogado nas manchetes, sua casa invadida, e isso é uma injustiça por si só, ser condenado antes de ser julgado com imparcialidade.

– Você diz no livro que aguarda Justiça. Que tipo de Justiça ainda poderia ser feita?

– Um novo julgamento deste processo todo. Que sejam analisadas as provas, e não os “achismos”, as situações de “ele deveria saber”. Que um dia se prove que meu pai nunca cometeu crime algum. Sua história não é de dinheiro, mas sim de luta por seus ideais, de forma democrática e humana.

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Livro: Felicidade Fechada

Autora: Miruna Genoino

Editora: Cosmos

Quanto: 65 reais, 266 págs.

Lançamento: 16 de março, 20 h, no Espaço ViaTV – rua José Piragibe, 366, Butantã, São Paulo-SP.

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