Mito de mão de obra escrava na China não cola mais

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Lorota repetida pelo Ocidente não encontra lastro na realidade; curiosamente, estudiosos ocidentais têm ajudado a espalhar a verdade sobre a potência asiática

Por Iara Vidal, compartilhado de Revista Fórum




Créditos: Xinhua – Trabalhadoras chinesas celebram Dia Internacional do Trabalho em Chongqing

A economia da China já ultrapassou a dos Estados Unidos. Para os sabichões nas redes sociais essa façanha da potência asiática ocorreu porque o mercado chinês “utiliza mão de obra escrava”.

Balela. Isso não passa de um mito. Diga-se de passagem, um dos espantalhos preferidos do Ocidente para desmerecer o desempenho econômico chinês.

Uma das minhas fontes sobre China, Isis Paris Maia, batalha há tempos nas redes para desfazer essa mentira deslavada. 

Foto do Instagram de Isis durante viagem à Xangai, na China

Graduada em História, mestre e doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Isis pesquisa instituições e governança na China.

Quando digitamos no Google ‘trabalho escravo na China’, o primeiro link já aponta que é mito. Há diversos estudos sobre, inclusive da Associação Americana de Economia. Então por qual motivo ouvimos esse argumento repetidamente no Ocidente?

Ela aponta duas razões para essa fake news circular tanto pelo cyber espaço:

  1. Ignorância – O trem da história da China corre rápido, e a pessoa ainda tem aquela imagem do país na arrancada industrial
     
  2. Preconceito – O fato é que a pobreza e a exploração da força de trabalho ocorre em todos os países pobres.

Infelizmente não vemos os entusiastas pelas leis e direitos trabalhistas militar em nosso país, mesmo, esse sim, com sucessivas denúncias de trabalho escravo.

Trabalho análogo à escravidão no Brasil

A provocação de Isis para que internautas brasileiros olhem primeiro para o próprio país antes de apontar o dedo para os chineses tem lastro em dados oficiais.

Apenas neste ano de 2023, um total de 2.847 trabalhadores foram resgatados entre janeiro e novembro de trabalho análogo à escravidão no Brasil.

O número parcial de 2023 já é o maior em resgates dos últimos 14 anos e um recorde histórico em toda a série de pagamento de verbas rescisórias.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) fiscalizou no período 516 estabelecimentos urbanos e rurais, o que possibilitou o pagamento de mais de R$ 10,8 milhões em verbas salariais e rescisórias aos trabalhadores resgatados.

Exploração é realidade em países desiguais

Voltando para o caso da China, em outubro de 2022, Isis fez uma sequência de postagens no X (antigo Twitter) justamente para esclarecer sobre esse chavão ocidental de que há trabalho análogo à escravidão na China.

No fio, Isis ressalta que a China dos anos 1990, não é a mesma de 2022 ou 2023. Ela comenta que, de fato, a exploração de trabalhadores é típica em países desiguais. Mas isso não significa que o regime do país seja conivente, seja na China ou no Brasil. Basta observar os dados acima sobre a situação brasileira.

A pesquisadora informa ainda que, atualmente, a classe trabalhadora chinesa cumpre jornada de trabalho média de 40 horas semanais, com direito à previdência social e seguros para acidente de trabalho, maternidade e desemprego.

Além disso, Isis conta que desde 2017 a média salarial nas fábricas chinesas já havia ultrapassado a de países como o BrasilArgentina e México e estava próxima da praticada em alguns países da zona euro, como Portugal e a Grécia.

Quando o assunto é salário, outro banho da China. O salário médio chinês, descontada a inflação, tem crescimento de 8,6% ano segundo as estatísticas do país. Já por aqui, retrocedemos em uma década o poder de compra da classe trabalhadora, o mesmo que em 2012. Atualmente o salário de um trabalhador chinês é o triplo do nosso.

Chineses fazem muitas greves

Outra ladainha ocidental é que na China não pode fazer greve. Oi? Os chineses fazem mais greves que nós, brasileiros. Existe até um site que a Isis indica, o China Labour Bulletin (CLB) que mapeia as paralisações de trabalhadores chineses em tempo real.

Espia quantos greves estão rolando por lá nesta quinta-feira (7).

CLB

O Ocidente espalha a mentira e também a desfaz

Para fazer essa sequência de postagens, que embora já tenha um ano continua válida, a Isis recomenda dois estudos. Um da American Economics Association, a Associação Estadunidense de Economia, publicado em 2012.

Apesar de já ter mais de uma década, o artigo aponta para as transformações ocorridas no modelo econômico chinês desde o final da década de 1970.

O documento, intitulado The End of Cheap Chinese Labor (O Fim da Mão de Obra Barata Chinesa, em tradução livre) analisa que, por várias décadas, a mão de obra barata teve papel central para o modelo econômico chinês, que dependeu da ampla participação no comércio mundial como um motor de crescimento.

Em 1978, no início das reformas econômicas da China, o salário anual de um trabalhador urbano chinês era de apenas $1.004, apenas 3% do salário médio nos EUA e inferior aos salários em países asiáticos vizinhos como Filipinas e Tailândia.

No entanto, os salários na China têm aumentado. Em 2010, o salário anual de um trabalhador urbano chinês chegou a $5.487, semelhante aos salários nas Filipinas e Tailândia e superior aos da Índia e Indonésia.

Desde o final dos anos 90, os salários na China cresceram mais rápido que a produtividade, indicando que a mão de obra chinesa está se tornando mais cara.

Esse aumento salarial não se limita a um setor específico, ocorre tanto em áreas costeiras quanto no interior, e para trabalhadores qualificados e não qualificados.

Estudos mostram que a mão de obra chinesa foi mantida barata até o final dos anos 1990, mas o custo relativo do trabalho aumentou desde então. Entre os principais fatores que impulsionam esse aumento salarial estão a elevação da produtividade e a crescente demanda por mão de obra qualificada.

Outro estudo recomendado pela pesquisadora está disponível na Social Science Research Network (SSRN, Rede de Pesquisa em Ciências Sociais, em tradução livre), uma plataforma online dedicada à disseminação rápida de pesquisas nas áreas de ciências sociais e humanidades.

Sob o título The Myth of Worker Exploitation in the Chinese Manufacturing Sector (O Mito da Exploração dos Trabalhadores no Setor de Manufatura Chinês, em tradução livre) o texto publicado em fevereiro de 2019 sinaliza que uma pesquisa investigou o setor de manufatura chinês utilizando indicadores de monopsônio (termo econômico que descreve uma situação de mercado na qual existe apenas um comprador para um produto ou serviço).

O estudo concluiu que a exploração de trabalhadores ou o poder de monopsônio no setor de manufatura chinês não é tão severo quanto se acreditava anteriormente.

O fato é que o dragão chinês superou a águia estadunidense e as peças do tabuleiro da geopolítica mundial estão em movimento e tudo indica que a China é imparável e que vai mudar o xadrez global.

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