De novo, o juiz Alexandre Morais da Rosa, de Santa Catarina , desta vez em parceria com o advogado e professor titular da PUC-RS Aury Lopes Jr. – publica um artigo no site jurídico Conjur que – exceto, talvez, por uma expressão ou outra- pode ser perfeitamente compreendido por qualquer pessoa de bom-senso, mesmo não operadora do Direito.
Compreensível e apavorante.
De início, ele sugere que as transações penais provocadas pela delação premiada e os acordos que por elas se fazem, ao extremo, podem levar a uma “pena sem processo e sem juiz”. Diz ele que o juiz pode ficar reduzido ao papel de mero ‘homologador’ do acordo,” muitas vezes feito às portas do tribunal”.
Este modelo de transação penal, dizem os autores, ” viola desde logo o pressuposto fundamental da jurisdição, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal, que erroneamente limita-se a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor.”
Morais da Rosa e Lopes Jr. afirmam que o acordo acusado x MP pode transformar o processo penal “em um instrumento de pressão, capaz de gerar autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança”.
De um lado. em nome de uma delação, o MP pode usar a acusação “como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento.” De outro, “o furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar‑se em uma complexa e burocrática guerra”.
O desequilíbrio de forças entre defesa e acusação, sustentam eles, “faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou negociação são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão todo o rigor do direito penal ‘tradicional’, onde qualquer pena acima de 4 anos impede a substituição e, acima de 8 anos, impõe o regime fechado.”
Ou não, porque os autores se escandalizam com a sentença aplicada por estes dias pelo Dr. Sérgio Moro – a quem não citam nominalmente, por ética profissional – “em que alguém — beneficiado pela delação premiada (ou seja, pena negociada) — é condenado a 15 anos e 10 meses em regime de “reclusão doméstica” ou “prisão domiciliar”. Depois vem um regime “semiaberto diferenciado”(??) e uma progressão para o regime aberto após dois anos.”
Morais da Rosa e Lopes Jr., claro, se chocam com a desproporção jurídica entre uma condenação tão grave que justifique 15 anos de reclusão e que, por artes da “delação”, que ganha, imediatamente, a forma mais branda de execução, a prisão domiciliar. Curioso é que, num simples caso de furto, havendo reincidência, penas muito menores são obrigatoriamente cumpridas em regime fechado.
Segundo eles,isto é “outro” Direito Penal e outro processo penal,também, diferentes dos que estão em vigor no Brasil;
“Mas o que é esse “outro”? A serviço de quê(ou de quem) ele está? Quais seus limites de incidência? Por mais que se admita que o acordo sobre a pena seja uma tendência mundial e inafastável, (…): onde estão essas regras e limites na lei? Onde está o princípio da legalidade? Reserva de lei? Será que não estamos indo no sentido negociação, mas abrindo mão de regras legais claras, para cair no erro do decisionismo e na ampliação dos espaços indevidos da discricionariedade judicial? Ou ainda, na ampliação dos espaços discricionários impróprios do Ministério Público?”
A sagração da “colaboração premiada” como conduta-padrão em ações criminais gera estes e outros absurdos que, agora, estão virando a “regra salvadora e incontestável”, que substitui a apuração equilibrada e transforma a prisão e a coação em método de produção de provas e de uma “verdade processual” onde a delação produz o efeito previamente desejado, em lugar de servir, apenas, como contribuição à elucidação dos fatos.
Os delatados passam a ser zumbis, que precisam provar sua inocência – e não a ter provada sua culpa – , isso quando não se toram, também, por sua própria conveniência, novos delatores, reabrindo um ciclo que se aproxima de deseja chegar na acusação, num processo abjeto no qual, em nome da “moralidade”, instaura-se a arbitraiedade.