Por Fernando Brito, Tijolaço –
Na primeira manifestação que publiquei sobre a prisão de Eduardo Cunha, fiz a ressalva, ingênua, de que poderia ter havido um fato novo a determinar a ordem de prisão expedida por Sérgio Moro, porque o que se evocava era a repetição daquilo que um ministro do Supremo, Teori Zavascki, havia considerado não ser razão para sua prisão.
Não houve fato novo.
Isso, porém, não vem ao caso. Em apenas cinco dias, a instância superior do Judiciário brasileiro, o Dr. Moro, “reformou” a decisão do Ministro Zavascki.
O mesmo ministro que, tempos atrás, fez-lhe um “ai, ai, ai” sem consequências práticas por ter grampeado e divulgado gravações da Presidenta da República que, por obvio, não está sob a jurisdição do juiz de Curitiba.
Mas o Supremo perdeu a chance de enquadrar Moro e, como dizia o dramaturgo espanhol Mateo Alemán, já no século 16, no seu Vida y hechos del picaro Guzman de Alfarache: “quem quando pode não quer, não reclame de que quando queira não possa”
A ordem jurídica no Brasil está irremediavelmente deformada.
O que Moro decide não pode ser revisto, reformado ou anulado.
O máximo possível é o “ai, ai, ai” que recebeu, e olhe lá.
A nossa mais alta Corte chegou a isso num processo contínuo de avassalamento diante da mídia, que erigiu Moro em salvador da pátria, de quem discordar passou a ser expor-se a ser “cúmplice” dos ratos que andaram roubando na Petrobras.
A questão é que a vassalagem é tanto fruto de um sistema de poder quando de uma “elastização” do caráter.
Por isso, assinando embaixo, publico o artigo do professor Ricardo Lodi, professor da Faculdade de Direito da UERJ, no site Justificando.
É coisa de gente de bem, de caráter, que não verga seus princípios nem mesmo à força de suas paixões.
Nada testa mais meu senso de Justiça que julgar meu desafeto:
Estamos diante de mais um caso
de abuso com prisões cautelares
Ricardo Lodi, no Justificando
Não sei se, depois que deixou de ser deputado, Eduardo Cunha praticou atos atentatórios à instrução criminal. Mas sei que enquanto era parlamentar usou e abusou deste expediente. No entanto, o STF entendeu que essas condutas não justificavam o pedido de prisão, mas o afastamento do mandato.
E a decisão do juiz Sérgio Moro, que decretou-lhe a prisão, não traz nenhum fato posterior à perda do mandato, reportando-se a situações que já eram do conhecimento da Corte Maior. E presumiu o magistrado que tais condutas devem continuar existindo. Mas isso não passa de uma convicção pessoal sem que seja apontado qualquer fato que o justifique.
Assim, mais uma vez se usam apenas os indícios de materialidade e autoria para justificar prisão cautelar na República de Curitiba.
Afinal, ao contrário do que sustenta a decisão, esta medida é sim excepcional, o que se mantém mesmo diante da chamada corrupção endêmica. Nos ensina Agamben [filósofo italiano] que os direitos fundamentais devem ser respeitados mesmo diante de situações de crise, sob pena de instaurarmos o Estado de Exceção Permanente.
Não sou especialista na matéria, mas não preciso ser para me convencer de que estamos diante de mais um caso de abuso das prisões cautelares, o que fragiliza o Estado de Direito e os direitos de todos os brasileiros.
E a conclusão não pode ser diferente por ser Eduardo Cunha o atingido. São nesses casos, em que aqueles que não temos qualquer apreço tem seus direitos fundamentais violados, que é feito o teste do nosso compromisso com a inviolabilidade das garantias constitucionais.