Moro reinterpreta lei para justificar conversas sobre as delações negociadas na Lava Jato

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Publicado em Jornal GGN – 

Em resposta à reportagem sobre a denúncia, ministro comete ato falho ao dizer que cabe ao juiz “homologar ou não acordos de colaboração”; Não é isso que diz a Lei das Organizações Criminosas

Ex-juiz Sérgio Moro e procurador que coordena Lava Jato, Deltan Dallagnol atuavam juntos, mostram mensagens reveladas pelo The Intercept Brasil. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Jornal GGN – Mais uma vez mensagens trocadas entre procuradores da Operação Lava Jato e Sergio Moro, obtidas pelo The Intercept Brasil, apontam para a atuação ilegal do então juiz, desta vez, na condução das delações premiadas de dois ex-executivos da construtora Camargo Corrêa. É isso que mostra matéria da Folha de S.Paulo, publicada nesta quinta-feira (18), em parceria com o Intercept.

No Brasil, a Lei das Organizações Criminosas, nº 12.850, de 2013, sobre as regras para os acordos de delação, especifica claramente que os juízes devem atuar após a assinatura (homologação) dos acordos de colaboração, para “verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade”. Logo, os magistrados devem se manter distantes durante toda a negociação. A lei limita ao juiz apenas a obrigação de verificar a legalidade dos acordos após sua assinatura.




Pois bem, conversas trocadas por procuradores em 2015, mostram a interferência de Moro nas negociações dos executivos Dalton Avancini e Eduardo Leite. Eles trabalhavam para a Camargo Corrêa e estavam em prisão preventiva no momento em que os debates entre os membros da força-tarefa eram travados sobre os acordos de delação.

No dia 23 de fevereiro de 2015, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, escreveu ao colega Carlos Fernando dos Santos Lima, responsável pela condução das negociações com a Camargo Corrêa, que ele consultasse Moro sobre as propostas com os delatores em uma reunião que aconteceria em alguns dias.

“Eu não estarei aqui na quarta, nem na reunião com o Moro, mas seria bom que houvesse uma conversa sobre os acordos dos três porquinhos”, disse Deltan. Além dos dois executivos da Camargo Corrêa, os procuradores negociavam um acordo de delação com o ex-gerente da Petrobras Eduardo Costa Vaz Musa.

“CF [Carlos Fernando], Vc reclamou que me meti, mas podiamos ter problemas com a questão da Valec se o Helio Telho depois não concordasse ou criticasse nosso acordo, sendo ele o procurador natural. A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos ontem”, continuou Deltan. Helio Telho é também procurador, e investigava a corrupção na construção de ferrovias da estatal Valec, em Goiás.

Deltan demonstrou ainda que estava preocupado a opinião pública. “Colaborações são um flanco para críticas. Caminhamos com a força da opinião pública e não podemos perdê-la”, chegou a argumentar.

No dia seguinte, Carlos Fernando respondeu indicando incômodo com as sugestões de Deltan: “Você é o Promotor natural e pode discordar, e eu sempre ouço todos, mas o que vejo agora é um tipo de barganha onde se quer jogar para a platéia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente”, comentou.

“Não sei fazer negociação como se fosse um turco. Isso até é contrário à boa-fé que entendo um negociador deve ter. E é bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores. Eu desejo que sejam estabelecidas pautas razoáveis, e que eu e Januário [Paludo, outro procurador] possamos trabalhar com mais liberdade”, completou.

Logo em seguida, Deltan emendou: “Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde? Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos.”

“Podemos até fazer fora do que ele colocou (quer que todos tenham pena de prisão de um ano), mas tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse”, completou o coordenador da Lava Jato em Curitiba.

A reportagem mostra que a opinião de Moro foi considerada pelos procuradores. Os dois executivos da Camargo Corrêa, Avancini e Leite, assinaram acordos de delação premiada e, dois dias após a homologação, saíram de Curitiba para cumprir prisão em regime fechado e domiciliar, durante um ano. Em julho de 2015, os dois foram condenados por Moro pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Na sentença, o então juiz considerou os termos do acordo de delação e ainda falou da relevância das informações trazidas pelos delatores.

Folha e o Intercept mostram outras mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato, em agosto de 2015, indicando que, depois do acordo de leniência com a Camargo Corrêa, o grupo já tratava com normalidade a interferência de Moro nas negociações para os acordos de delação premiada.

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“Douglas, o Moro tem reclamado bastante, mas ao final sempre concorda com a nossa proposta. No caso do Dalton Avancini, ele inclusive consignou a discordância (acho que em ata de audiência) e deu cinco dias para justificar, mas depois aceitou”, disse o procurador Paulo Roberto Galvão, em 26 de agosto daquele ano em um chat no Telegram.

“Mais recentemente ele também implicou com o acordo do Musa, mas não sei se constou por escrito (Diogo sabe?)”, completou.

Seis meses depois dessa conversa, em 5 de fevereiro de 2016, Deltan mandou uma mensagem direta para Moro. Ele queria saber qual seria a melhor instância para submeter o acordo delação de João Ricardo Auler, outro executivo da Camargo Corrêa.

“Caro: Gebran e colegas da regional entenderam que não seria o caso de homologar o acordo do Auler lá, por não haver pessoas indicadas que tenham prerrogativa de foro”, escreveu Deltan.

“Ainda que discordando tecnicamente, vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância quanto à análise dessa questão por aqui… Podemos prosseguir? Se preferir, vou à JF conversar pessoalmente”, completou. JF, é a sigla para Justiça Federal, onde Moro atuava.

O então juiz escreveu: “Para mim tanto faz aonde. Mas quai[s] foram as condições e ganhos?”. Deltan respondeu que ainda não sabia das condições e iria checar para informá-lo.

Em resposta à matéria, Moro reinterpreta Lei 

Em resposta à Folha e ao Intercept sobre a mais recente reportagem, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, respondeu que não participou de negociações de nenhum acordo de delação premiada durante o período em que foi juiz responsável pelos processos da Lava Jato no Paraná.

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“Enquanto juiz, não houve participação na negociação de qualquer acordo de colaboração”, escreveu por meio da assessoria de imprensa da pasta.

“Cabe ao juiz, pela lei, homologar ou não acordos de colaboração. Pela lei, o juiz pode recusar homologação a acordos que não se justifiquem, sendo possível considerar a desproporcionalidade entre colaboração e benefícios”, completou.

A Folha e o Intercept alertaram para uma falha de Moro na resposta. Ele escreveu que cabe ao juiz “homologar ou não acordos de colaboração.” Acontece que a lei que embasa as regras para os acordos de leniência aponta que o juiz só pode atuar após a assinatura dos acordos para “verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade”.

“Não há menção na lei à análise sugerida por Moro como condição para homologação das delações. A lei prevê que as informações fornecidas pelos colaboradores e os benefícios oferecidos em troca de sua cooperação sejam avaliados pelo juiz na sentença, ao final do processo judicial, depois de terem sido submetidos a questionamentos da defesa dos acusados pelos delatores”, completa”, completa a reportagem.

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