Compartilhado do Por Portal Catarinas –
Ao completar exatamente um mês do lançamento do Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, Cidnéia Aparecida Mariano, a Néia, que inspirou a iniciativa, faleceu, aos 35 anos, depois de dois anos de luta pela vida. Néia não resistiu a uma parada cardíaca na noite de domingo (30) e morreu após atendimento em um hospital de Londrina, no norte do Paraná.
Néia ficou conhecida por sobreviver a uma tentativa de feminicídio, ocorrida em abril de 2019, pelo ex-companheiro. Devido às agressões, ela ficou tetraplégica, com a fala comprometida e dependente de cuidados devido às agressões. Ela deixa quatro filhos e uma história de vida que virou símbolo da luta pelo fim da violência contra a mulher.
“Néia, minha irmã caçula, se foi. Não foi a covid-19 que a tomou de nós. Foi um vírus criado e cultivado cotidianamente pelas sociedades humanas chamado machismo. […] Durante quase dois anos após a saída do hospital, Néia lutou pela vida. Nessas últimas semanas, ela desistiu. Apesar de todos os cuidados familiares e médicos, ela se definhou e tristemente nos deixou neste domingo, 30 de maio. Néia se foi, vítima de feminicídio consumado”, escreveu Silvana Mariano, irmã de Néia, nas redes sociais.
Em nota, o Observatório de Feminicídio Néias Londrina manifestou pesar pela morte de Néia. “Néia deu nome ao nosso Observatório porque fez acender em nós, militantes feministas, a necessidade da luta pelo fim da violência feminicida. Nosso Observatório nasceu do anseio de justiça por Néia e por todas aquelas que sofrem da forma mais brutal o peso do patriarcado, que ceifa e limita vidas femininas”, afirmam.
Néia foi agredida, asfixiada e abandonada em uma área rural de Londrina pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. Só foi socorrida e sobreviveu, pois, foi encontrada por uma pessoa que passava pela estrada e chamou os bombeiros.
Em 4 de fevereiro de 2021, Emerson Henrique de Souza foi levado a julgamento por tentativa de homicídio, com agravante de feminicídio, lesão corporal e ameaça, e sentenciado a mais de 24 anos de prisão por tentar matar a ex-companheira.
Um grupo de mulheres feministas e a Frente Feminista de Londrina organizaram-se, em janeiro de 2021, para chamar atenção da opinião pública sobre o julgamento do agressor de Néia. “Da articulação criada para aquele episódio, surgiu a vontade de fundar a organização”, pontuam.
Após o júri, elas decidiram criar um observatório como mecanismo de coleta de dados e de monitorar casos para oferecer apoio às vítimas de feminicídio ou tentativa de feminicídio de Londrina, norte do Paraná.
O caso de Néia é um dos oito casos de feminicídio e tentativa de feminicídio registrados em Londrina em 2019, e um dos 216 autuados no Paraná naquele ano. Em 2020, foram 211 no Estado, sendo 10 em Londrina. Em 2021, até o final de abril, já haviam sido autuados 56 casos no Paraná e 3 no município. Ao todo, 73 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2020 no Paraná, uma delas em Londrina.
Apesar de o Paraná ter altas taxas de feminicídio e de violência contra as mulheres, o Estado falha em coletar, organizar e disponibilizar os dados à sociedade. De acordo com o Monitoramento “Um vírus e Duas Guerras“, publicado quadrimestralmente de junho de 2020 a março de 2021, somente Paraná e Sergipe ficaram de fora do Mapa que compara os índices de violência contra as mulheres durante a pandemia por não entregarem as informações às jornalistas.
Dados disponibilizados pelo Ministério Público do Paraná mostram que houve aumento de 8% nos inquéritos de feminicídio no estado em 2020: foram 225 inquéritos abertos no ano passado, enquanto em 2019 haviam sido 208.
Leia a nota completa do Observatório de Feminicídio Néias Londrina:
Nota de pesar: Néia presente!
É com imensa tristeza que recebemos a notícia do falecimento de Cidnéia Aparecida Mariano, na noite deste domingo chuvoso, aos 35 anos. Néia vai-se muito cedo. Vai-se vítima de um sistema violento e inescrupuloso. Vai-se, sobretudo, vítima de uma sociedade omissa diante da violência contra as mulheres.
Néia deu nome ao nosso Observatório porque fez acender em nós, militantes feministas, a necessidade da luta pelo fim da violência feminicida. Nosso Observatório nasceu do anseio de justiça por Néia e por todas aquelas que sofrem da forma mais brutal o peso do patriarcado, que ceifa e limita vidas femininas.
Hoje, com a morte de Néia, mais filhos ficam órfãos, mais uma mãe chora a morte precoce de sua filha. O feminicídio tentado contra Néia em 2019 consuma-se, simbolicamente, hoje. Nós, que compomos o Observatório, expressamos nossa irrestrita solidariedade à família de Néia e nosso agradecimento a todas e todos que, de diferentes formas, colaboraram para sua recuperação.
A luta não foi em vão. A vida de Néia não foi em vão. Seguimos firmes e renovamos nosso propósito de luta, pela memória de Néia e pela vida de todas as mulheres.
Néia presente!
(1985-2021)
Tags: feminicídio, violência doméstica