Por Celeste Silveira, compartilhado de O Antropofagista –
No mesmo período em que Jair Bolsonaro começou a defender o uso da cloroquina, os cartórios de Registro Civil do estado de São Paulo registraram um aumento de 70% no número de mortes por Doenças Cardiovasculares. Os dados dos cartórios compreende o período de 16 de março a 31 de maio deste ano, em comparação com o mesmo período de 2019.
Vale lembrar que o estado de São Paulo foi o principal epicentro da pandemia de coronavírus no Brasil. São Paulo já registrou cerca de 250 mil casos confirmados oficialmente e quase 14 mil mortes até o momento. No Brasil também houve um expressivo aumento de mortes por doenças cardiovasculares. Segundo os registros, o país teve aumento de 31%.
No mesmo período, Bolsonaro e integrantes do seu governo sem qualificação científica ou médica, começaram a defender o uso da hidrocloroquina contra a Covid-19. Um dos efeitos colaterais da cloroquina é justamente as alterações cardíacas. Segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) há a possibilidade de a cloroquina causar efeitos colaterais como retinopatia, neuropatia, miopatia e alterações cardíacas.
No dia 26 de março, por exemplo, Bolsonaro deixou à mostra uma caixa de um remédio feito com hidroxicloroquina, durante reunião com líderes do G20. O encontro foi realizado de forma virtual. No mesmo dia, em uma transmissão pela internet, Bolsonaro voltou a defender o uso da hidroxicloquina para o combate a Covid-19. Segundo ele, a medicação “não tem efeito colateral” e defendeu o uso imediato do remédio, mesmo sem a conclusão dos estudos sobre sua eficácia (link).
O mais incrível é que nenhuma sociedade médica interpelou o presidente. As ações e prescrição informal a favor da cloroquina continuaram a ser divulgadas por Bolsonaro durante todo o período e só diminuíram recentemente quando começou a ficar evidente a ineficiência da medicação.
No mesmo período em que Bolsonaro defendia a cloroquina, em São Paulo, as mortes por doenças cardiovasculares passaram de 3.085 em 2019 para 5.246 em 2020. Na cidade de São Paulo, o crescimento foi ainda maior: os números foram de 692, em 2019, para 1.570 no mesmo período de 2020 – um aumento de 127%, coincidentemente a capital é a cidade populosa mais afetada pela Covid-19.
Não há dados para afirmar que a cloroquina está relacionada com muitas dessas mortes, mas fica evidente que esse aumento está de alguma forma ligado ao Covid-19. Os dados mostram claramente uma coincidência entre aumento de mortes por doenças cardiovasculares em regiões com maior contaminação por Covid-19. No Brasil, com taxa menor da doença, as mortes saltaram de 14.938 em 2019 para 19.573 em 2020.
Os dados fazem parte do novo módulo do Portal da Transparência, lançado nesta sexta (26.06), que reúne os óbitos por doenças cardíacas e que foi desenvolvido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Até o momento, as sociedade médicas não ajuizaram ações contra o presidente por defender o uso do medicamento publicamente sem qualquer conhecimento médico ou científico.
O painel Especial Covid-19, que já contabilizava os óbitos causados pelo novo coronavírus e também os relacionados às mortes por causas respiratórias, passou com as mudanças a apresentar os falecimentos por causas cardiovasculares – como morte súbita, parada cardiorrespiratória, choque cardiogênico – doenças que registraram crescimento no período analisado.
O Portal da Transparência traz essas causas de mortes apresentadas em conjunto, como “Demais Óbitos Cardiovasculares”. As mortes por Síndrome Coronariana Aguda (Infarto) e Acidente Vascular Cerebral (AVC) no estado de São Paulo registraram queda no período analisado, -19% e -2% respectivamente, o que pode estar diretamente relacionado ao aumento do número de mortes em domicílio e à dificuldade do diagnóstico exato, analisa o presidente da SBC, Marcelo Queiroga.
Segundo a Arpen, os dados foram desenvolvidos mediante rigorosos critérios de pesquisas na área cardiovascular. O painel traz uma metodologia própria de contabilização das causas mortis, seguindo os critérios hierárquicos das regras da Classificação Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10), com o objetivo de identificar a ordem das causas de falecimento de modo a especificar a doença que levou o paciente a óbito.
As estatísticas apresentadas na ferramenta se baseiam nas Declarações de Óbito – documentos preenchidos pelos médicos que constataram os falecimentos – registradas nos cartórios do país. (Carta Campinas com informações da Arpen).
*Carta Campinas