Relato de Fernanda Laurea, no Facebook –
Manifestação no Rio: Momentos de horror
A manifestação contra a reforma da previdência aqui no Rio foi excelente. Imensa, apesar da Globo falar em apenas 20 mil pessoas, o que é uma piada.
Porém, o que me leva a escrever agora, infelizmente, é outra questão. A truculência absurda da Policia Militar e os momentos de horror que vivemos após a passeata histórica.
Pouco depois de chegarmos à Central do Brasil, destino final da manifestação, já começamos a ouvir as bombas. Resolvemos caminhar de volta mantendo a calma e evitando correr. Acabamos nos abrigando no Sisejufe, que fica em um prédio da Avenida Presidente Vargas, onde foi a passeata de ontem.
Quando as coisas acalmaram, continuamos a caminhada em direção à Cinelândia. Não dava para pegar o metrô porque era muita gente pelas ruas procurando uma forma de ir embora no meio daquela loucura. Chegamos finalmente na Cinelândia e fomos para a Amarelinho, bar histórico da cidade em que tradicionalmente as pessoas costumar sentar para beber, após os atos e manifestações.
O Amarelinho já estava com as portas de ferro baixadas. Apenas uma única continuava aberta. Isso porque a polícia já tinha passado por ali com toda a sua truculência. Mesmo assim sentamos e conseguimos beber um chope. Estávamos sentados numa mesa do lado de fora do bar, quando de repente começam a estourar na nossa direção bombas de gás lacrimogêneo, do nada. Absolutamente do nada. Todos levantaram correndo e nessa hora o grupo se dispersou. Rodrigo Alcântara, Ricardo Quiroga Vinhas, Vera Miranda e Soraia Garcia correram para o bar ao lado e eu, Pablo Barros, Lucas Ferreira Costa e Marcela Maciera entramos no Amarelinho pela única porta aberta. Lembro do garçom esperando a gente entrar para fechar a porta. Pouco depois de entrarmos ocorreu o inacreditável. Quando o garçom estava baixando a porta para proteger todos que estavam ali dentro, um PM atirou uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do bar, por baixo da porta.
E de repente estávamos trancados dentro do Amarelinho totalmente fechado, com uma bomba de gás lacrimogêneo dentro. Pela primeira vez na minha vida tive a sensação de que fosse morrer. Comecei a sufocar. Tossia sem parar. Não conseguia respirar, nem enxergar. Com o desespero, me perdi de todo mundo, apesar do bar ser pequeno. Lembro que, enquanto pude, eu gritava desesperada para que abrissem as portas. Mas o medo dos funcionários do bar era tão grande que ninguém abria porta alguma. Algumas pessoas distribuíam vinagre e mandavam cheirar. Eu cheirava, mas nada adiantava. Foi quando eu vi o Lucas, na marra, abrindo uma porta lateral do bar. A essa altura eu já estava tão mal que nem consegui sair. Quem me tirou de dentro do bar foi o Lucas, que me pegou e me arrancou dali. Algumas pess oas que estavam fora do bar vieram em auxilio e borrifaram leite de magnésia nos nossos rostos. Foi quando o Pablo, que também estava sofrendo dentro do bar, me carregou nos ombros para longe do Amarelinho e do foco de gás lacrimogêneo. Ali, num banco no meio da Cinelândia, o grupo se reuniu de novo, tentando se recompor e juntar os cacos. Aos poucos eu consegui voltar a respirar normalmente.
Quando a polícia nos atacou, não estava acontecendo absolutamente nada no Amarelinho. Só tinha gente bebendo e nada mais. É fato que hoje vivemos em um estado de exceção. E justamente por isso não podemos nos deixar intimidar. Vamos encarar esses momentos como parte do processo de retomada do nosso país e da nossa democracia. Nos manteremos nas ruas lutando até o fim pelos nossos direitos. Não conseguirão nos intimidar.