Mourão ameaça a liberdade de imprensa, intimida a PGR, o Congresso e o Supremo e ataca FHC e seis ex-ministros

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Em artigo com ares de programa de governo, o vice-presidente Hamilton Mourão estabelece o que considera “os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas” ameaça a liberdade de expressão, ataca FHC, intimida o Legislativo, o Judiciário e a PGR e afirma: “Há tempo para reverter o desastre.” 

É no mínimo preocupante a plataforma de governo do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, publicada hoje no Estadão sob a forma do artigo “Limites e responsabilidades”. Uma primeira leitura permite identificar, em cada um dos quatro pontos em que é dividido o texto, um recado a uma instituição diferente.

O primeiro ponto é uma inequívoca ameaça à liberdade de expressão. Diz o general: “A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas (…) devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação…”.




Mourão põe deliberadamente no mesmo saco estações de rádio e de tevê – concessões precárias do Estado à iniciativa privada – e jornais, revistas, sites e blogs da Internet. A legislação que rege as concessões de meios eletrônicos estabelece obrigações e limites aos concessionários. Os demais veículos, porém, não estão sujeitos a qualquer interferência pública em sua política editorial. Não há lei que obrigue a Folha, o Estadão, o Globo, Veja, Carta Capital, Istoé, Época, sites e blogs, entre eles este modestíssimo Nocaute, a publicar ou deixar de publicar o que quer que seja. Salvo, claro, por força de decisão judicial transitada em julgado. Qualquer tentativa de mudar isso tem um nome muito familiar à minha geração: censura.

Os destinatários do segundo ponto da catilinária do general vice-presidente são os governadores estaduais. Após circunlóquios em torno de citações de clássicos federalistas, Mourão vai ao tutano: “…governadores, magistrados e legisladores (…) esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação.” É a versão 2.0 do velhíssimo “Romae loquitur, romani audivit”. O Planalto fala, o povo só escuta.

No item três do programa de governo do general, pode-se ver nitidamente, na alça de mira, as figuras do senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado, do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, do ministro Dias Toffoli, presidente do STF, e do procurador-geral da República, Augusto Aras. Vale o que está escrito: “O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo”. Mourão afirma, sem rodeios, que o princípio republicano da separação dos Poderes é “uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la”. Recomenda-se ao Supremo, ao Congresso e à PGR colocarem suas barbas de molho.

O quarto e último versículo da epístola de Mourão aos infiéis merece ser transcrito integralmente:

“O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País ‘como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global’, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.”

Presunçoso, Mourão desenterra um fantasma que assombrava os generais ditadores de 64: as “campanhas de difamação do Brasil no exterior”. Neste caso o recado tem endereço certo. O trecho entre aspas nos escritos do vice-presidente foi retirado de um artigo publicado uma semana atrás nos jornais Folha e Globo, intitulado “A reconstrução da política externa brasileira” (leia aqui: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/05/a-reconstrucao-da-politica-externa-brasileira.shtml). O autores, que Mourão acusa de “jamais terem feito algo de palpável pela Amazônia” são o ex-presidente da República e ex-ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros das Relações Exteriores Aloysio Nunes FerreiraCelso AmorimCelso LaferFrancisco Rezeke, José Serra, o ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e ex-embaixador do Brasil em Washington,Rubens Ricupero, e o ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República Hussein Kalout.

Estes são, portanto, segundo Mourão, os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas. Mas nem tudo está perdido, assegura o general, no encerramento de seu programa de governo: “Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas.”

(Para ler o artigo, clique em https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,limites-e-responsabilidades,70003302275 – só para assinantes.)

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