MP da Eletrobras libera linha de transmissão de energia em terra indígena

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Por Amazônia Real, compartilhado de Projeto Colabora – 

Texto aprovado no Congresso dispensa autorização dos Waimiri Atroari – prevista na Constituição – para obra do Linhão de Tucuruí em seu território

Reunião dos Waimiri-Atroari durante visita de deputados ao seu território em 2019: MP da Eletrobras inclui dispositivo para acelerar obra de linha de transmissão de energia sem autorização dos indígenas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

(Leanderson Lima*) Manaus/AM – O Linhão de Tucuruí – linha de transmissão de energia que vai de Manaus, no Amazonas, a Boa Vista, em Roraima, atravessando terra indígena – recebeu sinal verde com a aprovação pelo Congresso da Medida Provisória 1.031, que trata da privatização da Eletrobras. A União está obrigada a iniciar, de forma imediata, a obra, inserida como uma emenda “jabuti” (que não tem relação com a proposta original), de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR).




A obra é uma violação aos direitos da população Waimiri Atroari (autodenominados Kinja), que terão suas terras atingidas pelo Linhão. “A obra, em tese, pode ser iniciada ainda que não haja o licenciamento ambiental, pondo em risco não apenas o ecossistema da Amazônia como também sujeitando a Comunidade Waimiri Atroari a graves impactos sócioambientais”, afirma o advogado Harilson Araújo, da Associação Comunidade Waimiri Atroari.

O relator da MP, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), apontou no texto final que só falta traduzir para a língua indígena o Projeto Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), elaborado pelo empreendedor TNE (Transnorte Energia e o consórcio formado pela Alupar e Eletronorte), e apresentá-lo aos Waimiri Atroari. Cumprida essa formalidade, “a União estará autorizada a iniciar imediatamente o Linhão de Tucuruí”.

Mas a MP atropela a Constituição Federal, já que ela permite a construção do Linhão sem nem seguir os trâmites para a emissão do Licenciamento Ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A garantia a uma consulta prévia e esclarecida à Comunidade Waimiri Atroari, de acordo com Harilson, encontra respaldo nos artigos 231 e 232 da Constituição e também nas disposições da Convenção 169 da OIT, tratado internacional que versa sobre direitos humanos indígenas e do qual o Brasil é signatário.

Lideranças Waimiri Atroari vão se reunir na próxima semana para definir que posição adotarão sobre a obra na terra indígena. Desde a retomada do processo de elaboração do PBA-CI, a comunidade indígena sempre esteve participativa em todas as etapas de realização dos estudos. “Isso vale para desmistificar a lenda de que o atraso na conclusão de todas as etapas do processo legal de validação do empreendimento se deveu a uma oposição direta e deliberada dos Waimiri Atroari”, afirma Harilson.

O advogado faz questão de frisar que, no histórico do processo, os atrasos se deveram a ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), pela morosidade do governo, por sucessivas trocas na presidência da Funai e também pela pandemia de Covid-19, que forçou o isolamento social dos brasileiros, incluindo dentro da terra indígena Waimiri Atroari.

Outra questão levantada pelo advogado diz respeito ao consórcio, que teve seu contrato firmado com a União rescindido por uma sentença na Justiça Federal. “E aí? Vai licitar novamente? Vai negociar a não rescisão do contrato? Volta tudo à estaca zero?”, questiona.

Os Kinja afirmam que o percurso das torres de eletricidade passará próximo das aldeias, roças, rios e lagos, lugares que consideram sagrados. Outra preocupação é que o Linhão de Tucuruí ameace os índios isolados Pirititi, que vivem em território ainda não demarcado e nos limites da TI Waimiri Atroari.

Obra em terra indígena será questionada na Justiça

A deputada federal indígena Joenia Wapichana (Rede-RR) se posicionou contrária ao “jabuti” do Linhão de Tucuruí. “Esta MP 1.031 é potencialmente uma das piores que já foram votadas pelo Congresso, pois traz prejuízos econômicos, sociais e ambientais para os povos indígenas, para toda classe social, para estados, governo e consumidores”, dispara.

“A quem ela beneficia? Ela beneficia os pouquíssimos que fazem lobby pela privatização. Essa é uma resposta que a sociedade brasileira precisa avaliar”, acrescenta a deputada, que informa que a oposição está preparando uma petição para judicializar a MP.

“Em razão disso e como já está sendo noticiado na imprensa, essa MP, fatalmente, será objeto de judicialização, até porque já há notícias de que alguns partidos irão questioná-la no Judiciário”, acrescenta o advogado Harilson Araújo, da Associação Comunidade Waimiri Atroari.

Procurador da República e coordenador do grupo de trabalho de prevenção de atrocidades contra povos indígenas, Julio Araújo Júnior entende que a MP não vingará. “O Supremo (Tribunal Federal) mesmo já disse que é descabido. Seria um tema alheio ao objeto da medida provisória”, esclarece. Segundo ele, essa estratégia de querer fazer a qualquer custo a linha de transmissão, atravessando a terra indígena e violando procedimentos previstos na legislação,não é nova.

“Se tivesse sido cumprida desde o começo, talvez a linha de transmissão pudesse estar instalada. Mas o esforço todo tempo em não obedecer, não observar essas previsões constantes da legislação e agora também legislar ao arrepio da Constituição”, questiona Araújo Júnior. O procurador afirma que os interessados pela obra tentam flexibilizar, mudar procedimentos e, ao mesmo tempo, culpar os indígenas, a lei, as decisões judiciais e o Ministério Público. “Mas na verdade o que existe é uma intenção de não cumprir os procedimentos. E é isso que atrasa”, arremata.

Os Waimiri Atroari são pressionados para a construção do Linhão do Tucuruí desde governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). No início de 2016, o então presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, permitiu ao Ibama conceder a licença prévia ambiental. Um forte lobby de políticos de Roraima se mobiliza há anos para a construção do empreendimento, mesmo que os indígenas se mostrem contra. Desde então, os Waimiri Atroari travam uma batalha judicial na qual ele exigem serem consultados sobre a obra.

Os Kinja são vítimas de um histórico de violações de direitos que se agravaram na década de 70, com a construção da BR-174, durante a ditadura militar, que atravessou seu território e causou um verdadeiro massacre, reduzindo drasticamente sua população. O território também foi invadido por empresas mineradoras e, na década de 80, foi inundado para construção da Hidrelétrica de Balbina.

O Linhão de Tucuruí deve se estender por 721 quilômetros; 123 quilômetros estão dentro da reserva Waimiri Atroari, localizada entre Amazonas e Roraima. O governo federal vem negociando com os indígenas para realizar a obra, mas a comunidade ainda não deu seu aval – que agora poderá ser dispensado com a aprovação da MP.

*Amazônia Real

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