Por Sérgio Rodas, publicado em Consultor Jurídico –
Para fundamentar o pedido de prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os membros do Ministério Público de São Paulo Cássio Conserino, Fernando Henrique Araújo e José Carlos Blat citaram trechos do livro Direito processual penal e sua conformidade constitucional, de Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da PUC-RS e colunista da ConJur. Porém, de acordo com o autor, os promotores erraram ao aplicar suas lições ao caso do petista.
As partes da obra do criminalista foram usadas pelo MP-SP para mostrar a existência dos pressupostos da prisão preventiva. Na primeira passagem incluída, Lopes Jr. explica que é necessário existir “a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria” para decretar tal medida. Já no segundo fragmento citado, o professor destaca que, para a detenção, também é preciso que a liberdade do acusado ameace o normal desenvolvimento do processo.
De acordo com a interpretação dos promotores, tais requisitos estão presentes no caso de Lula. A primeira das exigências se verifica, de acordo Conserino, Araújo e Blat, pelos documentos e testemunhos que mostram que o ex-presidente cometeu os crimes de lavagem de dinheiro falsidade ideológica ao ocultar a propriedade de um apartamento de luxo no Guarujá (SP). Já o segundo pressuposto se encontraria na demonstração, pelo petista, de “ira contra as instituições do sistema de Justiça”, inflamando a população e reclamando de medidas judiciais, o que poderia prejudicar o processo e abalar a ordem pública.
Mas o raciocínio do MP-SP está errado, afirma Aury Lopes Jr. A seu ver, a falha está na adequação dos conceitos ao caso concreto. “O pedido é completamente infundado. Até apresenta a fumaça da prática de crime, mas não há periculum libertatis [perigo na liberdade do acusado].”
Há três razões que demonstram a fragilidade de justificar a prisão preventiva do ex-presidente pelo risco que, solto, ele traz ao regular andamento do processo, diz o advogado. A primeira é que “não se pode fazer um exercício de futurologia” e prever que as declarações de Lula trazem risco à ordem pública. Além disso, não dá para responsabilizar o petista por atos de terceiros. A segunda, por sua vez, é que não existe risco do líder do PT fugir, porque é uma figura pública, que jamais passaria despercebida. Já o terceiro motivo é que os crimes dos quais Lula é acusado — lavagem de dinheiro e falsidade ideológica — são provados por documentos, e os arquivos do caso já foram coletados pelo MP-SP. Ou seja, não há risco de destruição de provas.
“Essa prisão é uma exceção, e o pedido foi bem mais simbólico do que concreto. As condutas atribuídas a Lula são graves e devem ser apuradas. Mas uma prisão preventiva dele nesse momento não se justifica”, opina o colunista da ConJur.
Mesmo com essa aplicação incorreta, ele diz que se sente “honrado” pela citação de sua obra na petição e se conforma com a distorção de seus escritos: “O livro é como um filho que largamos no mundo, e nem sempre segue o caminho que desejamos”.
Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.