Manaus (AM) – A Procuradoria Geral da República baixou uma ofensiva no país contra o desvio de vacinas por “qualquer agente público” que não esteja na linha de frente do combate a Covid-19 sob pena de crime de peculato (apropriação de dinheiro ou qualquer outro bem móvel) e pena máxima de 12 anos de prisão, além multa arbitrada com base no salário do servidor pela Justiça.
“Nesse primeiro momento de vacinação, em que as doses são insuficientes para atender a todos, as Secretarias de Saúde devem priorizar os trabalhadores da saúde mais vulneráveis à Covid-19 – idosos, transplantados de órgãos sólidos, trabalhadores com comorbidades”, afirmou a PGR.
A decisão da Procuradoria é uma resposta aos inúmeros casos de “fura-fila” da vacinação do novo coronavírus no Brasil. Em Manaus, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou que investiga possível fraude na destinação da imunização do primeiro lote de CoronaVac. Na manhã desta sexta-feira (22), procuradores do MPF e do Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), que atuam em colaboração nas investigações do caso, ouviram as médicas recém-formadas e recém-nomeadas Gabrielle Kirk Maddy Lins e Isabelle Kirk Maddy Lins por meio de videoconferência.
“Para não atrapalhar as investigações, os órgãos preferem não entrar em detalhes sobre o teor dos depoimentos já colhidos e sobre eventuais novas medidas de investigação no caso”, disse o MPF em resposta à Amazônia Real sobre quais questionamentos foram feitos às médicas Gabrielle e Isabelle Lins..
Sobre a investigação, o MPF disse que trabalha para apurar se o desvio foi decorrente de uma grave má administração da vacinação por parte da Prefeitura de Manaus ou se o desvio foi proposital. “No momento, afirmações definitivas e uma conclusão clara sobre o que aconteceu ainda não podem ser dadas, já que investigação ainda está em andamento”.
Conforme publicou a agência Amazônia Real , o prefeito de Manaus David Almeida (Avante) confirmou que autorizou a vacinação das médicas recém-formadas, sem que fizessem parte dos grupos prioritários da imunização, na Unidade Básica de Saúde (UBS) Nilton Lins, que foi aberta pelo município este mês no câmpus universitário da família das jovens. Elas são filhas de Niltinho Lins Jr., herdeiro do hospital e da universidade Nilton Lins.
A família da elite manauara mantém negócios com a prefeitura e o governo do Amazonas. Desde 15 de outubro de 2012, as gêmeas são sócias da empresa de laticínios Rancho Ing Ferradurinha Agro Industrial, que tem um capital de R$ 1 milhão. Em 2017, a empresa fez um contrato para fornecer laticínios quando David Almeida foi governador do Amazonas.
De acordo com a Prefeitura de Manaus, Gabrielle Lins foi nomeada em 18 de janeiro e Isabelle, no dia 19, portanto, na véspera e algumas horas antes do início da imunização, não havendo tempo hábil para elas trabalharem durante a pandemia. Elas se formaram em maio e dezembro do ano passado.
A vacinação de pessoas fora do grupo de profissionais da linha de frente do combate a Covid-19 causou revolta nas redes sociais pelo fato de o prefeito não dar prioridade aos profissionais de saúde que trabalham nos hospitais colapsados com a crise e registro de mortes de pacientes por falta de oxigênio, em Manaus .
Das duas irmãs, Isabelle Lins se defendeu primeiro em sua conta pessoal no Instagram. “Eu não posso responder pela ordem que foi dada às vacinas (eu sou profissional da saúde e tive meu direito). Agora, a ordem que foi dada entre os profissionais: EU NÃO POSSO RESPONDER POR ISSO! [sic] Então, falem qualquer coisa, menos que eu furei a fila por ser ‘herdeira’ e não tirem o meu mérito”.
Outro caso de favorecimento que veio a público, além das irmãs Gabrielle e Isabelle Lins, é o do jovem médico David Dallas, filho do ex-deputado estadual e empresário Wanderley Dallas (SD).
O prefeito David Almeida justificou a vacinação dos jovens médicos dizendo que eles “atuam na linha de frente de combate ao Covid-19 desde o início de janeiro de 2021”. Eles foram imunizados no grupo de 617 profissionais de saúde que receberam a coronaVac, em Manaus.
O Ministério Público do Estado do Amazonas não aceitou a justificativa do prefeito e abriu uma investigação para apurar “desvio no grupo de prioridades” da vacinação. “Os trabalhadores que devem ser vacinados são os do grupo de maior vulnerabilidade e têm comorbidade”, afirmou a procuradora de Justiça Silvana Nobre Cabral, coordenadora do Grupo de Covid-19 do MP.
Segundo o MPF, a aplicação da vacina em qualquer pessoa que não se enquadre nos critérios de priorização, nesse momento, é irregular e deve ser denunciada aos órgãos de fiscalização e controle no Amazonas. “A prática pode ser enquadrada como improbidade administrativa. A vacina contra covid-19 é um bem público, pois foi custeada com verbas públicas e é oferecida gratuitamente à população, devendo ser respeitados os critérios definidos pelas autoridades de saúde para priorização”, disse o órgão.
Sobre as penalidades sobre a acusação de desviar um bem público que tem destinação pré-definida, ou seja a vacina CoronaVac, “o responsável pelo desvio desrespeita os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da lealdade às instituições, podendo ser punido não só criminalmente, mas também com a obrigação de ressarcir todo o valor correspondente às vacinas desviadas; pode perder a função pública se for servidor ou agente público e ser condenado a pagar multa no valor de até 100 vezes o valor do salário que recebe”, disse o MPF à reportagem.
TCE estuda exoneração de secretários
Gabrielle Lins foi nomeada no dia 18/01, véspera de ser imunizada (Foto reprodução)
O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Mario de Mello, cobrou transparência do prefeito e pediu que encaminhasse, no prazo de até 24 horas, a lista nominal das pessoas já imunizadas contra a Covid-19 e os critérios utilizados para vacinação, sob pena de multa em caso de desobediência.
O TCE também ingressou com uma representação junto às Corte de Contas prorrogando o prazo em mais 24 horas, sob pena da exoneração dos secretários Marcellus Campêlo, da da Secretaria de Estado da Saúde (SES), e Shádia Fraxe, da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa).
“Queremos os dados formalmente, em documento oficial enviado ao Tribunal e não explicações por telefone. Seremos rigorosos na análise das informações prestadas”, afirmou o presidente do TCE. “Se estão fazendo as coisas certas, não têm porque esconder”, acrescentou, que estendeu informação da lista de imunizados ao governador Wilson Lima (PSC).
O MPF também requisitou à prefeitura de Manaus que informe, de forma imediata e urgente, os nomes dos profissionais de saúde já vacinados, a escala de trabalho dos profissionais na UBS Nilton Lins em janeiro e a lista de atendimentos realizados por eles na unidade de saúde nos dias 18 e 19 deste mês”, disse o órgão.
Além da convocação de Gabrielle e Isabelle Lins, pelo MPF, o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), Ministério do Trabalho (MPT) e de Contas (MPC), além das Defensorias da União (DPU) e do Estado (DPE) ajuizaram, na Justiça Federal, Ação de Obrigação de Fazer – em caráter de urgência – exigindo a prestação de informações diárias sobre os beneficiados com a imunização pela vacina CoronaVac.
Por meio da assessoria de imprensa da Universidade Nilton Lins, as médicas Gabrielle e Isabelle Lins enviaram uma resposta à Amazônia Real sobre as acusações de desvio da vacinação da Covid-19 para o grupo de prioridade dos servidores do município. Segunda a nota, as médicas foram imunizadas “de acordo com o plano municipal de imunização dos profissionais da saúde em operação pelo Poder Público contra a COVID-19 e por atuarem na linha de frente”.
Com relação à investigação do MPF, a assessoria diz que “as profissionais se colocam à disposição para atestar a veracidade de suas atividades e prestar quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o tema, aos órgãos e entidades públicas que assim julgarem necessários”.
Prefeito desqualifica denúncias
David Almeida em coletiva na sede da Prefeitura (Foto: Dhyeizo Lemos/Semcom)
Em coletiva na tarde de quinta-feira (21), o prefeito de Manaus, David Almeida, se comprometeu a entregar a lista dos vacinados aos órgãos que solicitaram o documento. “Todo mundo que é vacinado tem o seu CPF, o seu controle, já (os dados) estão abastecidos no sistema do Ministério da Saúde. Eu só não posso tornar público, porque a Lei Geral de Proteção de Dados me impede, mas todas as informações, todos os nomes dos servidores da saúde, estão (lá), da prefeitura, do estado, que foram vacinados ontem (quarta-feira (20)”, disse.
Tentando desviar o foco do favorecimento na vacinação, Almeida ironizou a repercussão das denúncias. “A prefeitura, não fosse tudo isso, a gente já tinha cumprido 100% da nossa meta (de vacinação). Querem nos culpar pela agilidade, talvez pela eficiência, só pode”, rebateu.
O prefeito ainda disse que está sendo atacado por milícias digitais com fake news (notícias falsas) sobre o caso da vacinação das médicas Gabrielle e Isabelle Lins. “Não existe desvio, essas vacinas são todas rastreadas e, em 48 horas pra cá, nós identificamos uma milícia digital com intuito de desgastar e causar o descrédito e duvidar e de atrapalhar a cidade de Manaus. Isso não é o momento de gerar o caos nessa cidade”, afirmou.
Sem citar nomes das médicas, David Almeida falou sobre as postagens de fotos da vacinação de Gabrielle e Isabelle Lins nas redes sociais delas. “Com relação as fotos daquelas meninas , elas são médicas. (…) Os médicos que estão afastados, muitos deles têm mais de 60 anos, estão no grupo de risco. Quem está segurando são os mais novos, principalmente nas unidades de Covid. Só são garotos e garotas novas e eles estão lá atendendo todo dia e eles precisam dessa imunização”, justificou Almeida, que na nomeação das médicas deu a elas um DAS com salário de R$ 8 mil.
Mas na quarta-feira (20), quando o escândalo ganhou o país, Almeida anunciou que, como solução, a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) iria baixar “uma portaria proibindo a divulgação em rede social dentro das unidades. Se você se vacinou, fique para você. Você não precisa compartilhar na rede social. Essa é a determinação, esse é o pedido”.
O TCE e o MPF reagiram contra a proibição alegando que a decisão de David Almeida constitui em improbidade administrativa e atenta contra os princípios da administração pública e do interesse público. “O MPF considera ainda que a publicação em rede social de momento de imunização não tem conteúdo ofensivo ou criminoso, mas ao contrário, legitima a prestação de contas da destinação final das vacinas”, disse o órgão.
Como denunciar fraude na vacinação
O Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) disponibilizou dois telefones para que o cidadão possa entrar em contato e denunciar problemas na aplicação da vacina contra covid-19: você pode entrar em contato pelo 0800 096 0500 ou pelo (92) 3655-0745 – esse segundo número também recebe ligações via Whatsapp – para apresentar sua denúncia à Ouvidoria-Geral do órgão. Pela internet, é só acessar o site http://denuncia.mpam.mp.br/ e registrar sua manifestação.