MPF quer R$ 1 milhão por reportagem discriminatória de Veja

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Publicado em Viomundo – 

 Decisão do TRF-3 derrubou sentença que extinguia processo; Procuradoria pede indenização de R$ 1 milhão por reportagem discriminatória contra minorias étnicas

veja

do MPF, sugerido pelo FrancoAtirador




A 26ª Vara Cível Federal, na capital paulista, terá que dar prosseguimento à ação civil pública que o Ministério Público Federal ajuizou contra a Editora Abril por danos morais coletivos. O processo se deve a uma reportagem discriminatória contra minorias étnicas publicada em maio de 2010 na revista Veja. A decisão é do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que acolheu um recurso do MPF e reverteu a sentença de primeira instância que declarava prescrita a ação.

O MPF propôs a ação em agosto de 2014, quatro anos após a publicação da reportagem “A farra da antropologia oportunista”. O texto da revista Veja baseou-se em informações distorcidas e expressões injuriosas para criticar o processo de demarcação de reservas destinadas a grupos indígenas e quilombolas. A Procuradoria pede que a Abril, responsável pelo semanário, seja condenada ao pagamento de indenização mínima de R$ 1 milhão por danos morais, valor que deve ser destinado aos povos tradicionais do Estado de São Paulo.

A sentença que extinguia o processo se baseou no prazo prescricional de três anos previsto no Código Civil para pedidos de reparação civil. No entanto, o desembargador federal Carlos Muta, do TRF-3, afirmou que o período máximo para o ajuizamento de ação civil pública em matérias que envolvem direitos coletivos é de cinco anos, conforme a Lei 4.717/65. “No caso dos autos, a ação para indenização pelos danos morais, supostamente ocorridos com a reportagem publicada na revista Veja do dia 05/05/2010, foi ajuizada em 21/08/2014. Portanto, não se encontra atingida pela prescrição”, escreveu o magistrado.

Reportagem – O texto da revista procurou caracterizar a criação de novas reservas como fruto do conchavo entre ativistas que sobreviveriam dos sucessos das demarcações, agentes públicos e antropólogos cujo trabalho não teria nenhum rigor científico, mas simplesmente viés ideológico de esquerda. Veja relata ter descoberto “uma verdadeira fauna de espertalhões” e utiliza vários termos depreciativos que incitam o preconceito contra as comunidades indígenas e outras minorias étnicas. Exemplo é a definição de Tupinambás como “os novos canibais”, associando-os a invasões, saques e outras práticas delituosas.

Com o objetivo de embasar a crítica às demarcações, a reportagem também distorceu as declarações de dois renomados antropólogos que se dedicam ao estudo das questões indígenas. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Pereira Gomes e o pesquisador da UFF Eduardo Viveiros de Castro teriam, segundo o texto, emitido opiniões contrárias à criação de novas reservas e aos critérios adotados. Após a publicação, ambos escreveram aos editores da revista, indignados com o fato de que as frases a eles atribuídas eram opostas ao que realmente pensam sobre o tema.

Para a procuradora da República Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein, autora da ação e do recurso interposto, declarações de cunho racista e que promovem a discriminação contra minorias étnicas não podem ser toleradas a pretexto de liberdade de expressão/imprensa, direito fundamental que não se confunde com “o puro e simples discurso de ódio camuflado de reportagem jornalística”.

O número da ação é 0015210-17.2014.4.03.6100. Para acompanhar a tramitação, acesse http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/.

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O que escreveu Mércio Pereira Gomes à época:

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Resposta à matéria da VEJA “A farra da antropologia oportunista”

Mais uma vez a revista VEJA traz em suas páginas matéria cheia de injúrias aos povos indígenas brasileiros.

Não pode passar despercebido ao mais desavisado e ingênuo leitor dessa revista o ranço, o azedume de preconceitos e vícios jornalísticos apresentados sobre a questão indígena brasileira. Porém a factualidade do texto também está comprometida por desvirtuamentos de pesquisa, compreensão e análise que certamente intencionam provocar uma impressão extremamente negativa da questão indígena em nosso país.

Os autores da matéria “A farra da antropologia oportunista”, ao que tudo indica jornalistas jejunos no trato de tais assuntos, parecem perseguir uma linha editorial ou um estilo jornalístico em que a busca de objetividade possível é relegada ao interesse ideológico de denegrir as conquistas dos segmentos mais oprimidos do povo brasileiro e demonstrar o seu favorecimento aos poderosos da nação. Primam por um estilo sardônico, próprio de jornalistas que fazem de seu ofício a defesa inquestionável do status quo social e econômico brasileiro, aludem a supostos fatos a partir de evidências descontextualizadas e apresentam citações sem a mínima preocupação com comprovação.

Falta-lhes sobretudo compreensão histórica da questão indígena brasileira, do papel da antropologia e da condição contemporânea da ascensão dos povos indígenas no Brasil e no mundo. Empatia às causas populares e gestos positivos em relação à ascensão das camadas sociais mais oprimidas da nação são atitudes ausentes nesse tipo de jornalismo.

Ao contrário, estão do lado dos que consideram a nação um quintal a ser usado (e abusado) ao seu bel prazer. Um repertório acanhado, porém virulento, de asserções deslocadas do processo histórico tenciona incutir no leitor uma visão de que os povos indígenas – e também os descendentes de quilombolas – estão aí para surrupiar as riquezas da nação dos destemidos fazendeiros, madeireiros, mineradores e empreiteiros da nação. A continuar esse processo não sobrarão terras nem riquezas naturais para a continuada exploração econômica da nação!

Os antropólogos estariam a serviço de uma espécie de subversão da realidade empírica, afeitos à criação imaginativa de identidades étnicas e dispostos a reverter o processo histórico nacional. Nem os mais afoitos de nós sonham com tamanho poder!

Já os índios e quilombolas estão em marcha guerreira para varrer do país aqueles que dariam sustento e sentido à nação.

É demais.

Apresento aqui o meu repúdio a esse tipo de jornalismo.

Denego-lhe o falso direito jornalístico de atribuir a mim uma frase impronunciada e um sentido desvirtuante daquilo que penso sobre a questão indígena brasileira.

Portanto, conclamo os editores da VEJA a rever sua visão miópica e estigmatizada do processo histórico brasileiro. Fariam bem ao seus leitores se se concentrassem na busca de objetividade jornalística e numa compreensão humanista, científica e hiperdialética da história do nosso país.

Atenciosamente,

Mércio Pereira Gomes, antropólogo, professor da Universidade Federal Fluminense e ex-presidente da Funai

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