Agricultores familiares e assentados da reforma agrária são os dois principais grupos responsáveis pelo aumento da produção de alimentos orgânicos no Brasil, que neste ano deve ultrapassar os 750 mil hectares registrados em 2016.




Segundo a Coordenação de Agroecologia (Coagre) da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no ano passado foram registradas 15,7 mil unidades com plantio orgânico no país, mais do que o dobro das 6,7 mil computadas em 2013.

“Os assentados da reforma agrária têm uma clara preferência em incentivar a produção orgânica. A ideia deles é produzir alimento com qualidade e preço acessível, não é uma visão elitista”, afirma Suiá Kafure da Rocha, especialista em políticas públicas e gestão governamental da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead).

Segundo ela, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está para se tornar o maior produtor de orgânicos do país, tendo como companhia a agricultura familiar. “O perfil dos agricultores familiares se encaixa com a agricultura orgânica. Junto com os assentados, são os dois pilares da revolução orgânica, é o público que mais produz.”

Criado em 2013, o Cadastro Nacional de Agricultores Orgânicos (CNPO) conta com cerca de 15 mil produtores inscritos, sendo quase 80% deles classificados como agricultores familiares. O sistema, entretanto, não permitir diferenciar quais são ligados a assentamentos da reforma agrária.

“O cadastro dos produtores melhorou o acesso às informações sobre o número existente. Muitos agricultores vinham num processo de transição e adequação para a produção orgânica e agroecológica, e o aumento no número foi consequência do alcance do objetivo”, avalia a agrônoma Inês Claudete Burg, vice-presidente Regional Sul da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

Além dos assentados e dos agricultores familiares, completam o perfil dos produtores de alimentos orgânicos no Brasil os integrantes de ecovilas, normalmente formadas por jovens urbanos que vão para o meio rural, e a agricultura urbana e periurbana, desenvolvida por grupos que promovem hortas urbanas.

Os diferentes perfis são unidos pelo desejo da alimentação saudável, combinada com uma visão de mundo comum. “Há também o discurso de voltar à terra, contra a semente transgênica e a agricultura industrializada, uma produção muito diferente do agronegócio, que é de monocultura, degrada a terra e os recursos naturais”, explica Suiá da Rocha.

De acordo com a Coagre, a região Sudeste é a que mais produz alimentos orgânicos, totalizando 333 mil hectares e 2.729 registros de produtores no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos (CNPO). Na sequência estão as regiões Norte (158 mil hectares), Nordeste (118,4 mil), Centro-Oeste (101,8 mil) e Sul (37,6 mil).

Na opinião da especialista em políticas públicas e gestão governamental da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), a explicação do grande aumento da produção de alimentos orgânicos no Brasil é consequência de uma série de ações, sendo a principal a preocupação com a alimentação saudável.

“O principal fator é a saúde, tanto do trabalhador rural quanto dos consumidores. Do trabalhador, pelo uso de agrotóxicos; para os produtores, há esse estímulo, e os consumidores também passaram a ter uma desconfiança dos alimentos produzidos de modo tradicional e que causam uma série de doenças”, afirma Suiá da Rocha.

Para a agrônoma Inês Claudete Burg, o aumento é fruto de um longo trabalho, tanto em relação à prestação de assistência técnica especializada, como também às conquistas de políticas públicas que incentivam a produção orgânica e agroecológica.

“Os consumidores de forma geral têm sido alertados da importância do consumo de alimentos produzidos em sistemas orgânicos e agroecológicos, pelos benefícios à saúde e ao meio ambiente, contribuindo assim com o aumento do consumo e da demanda na produção e diversificação da oferta”, explica a agrônoma.

A lei 10.831/2003, sancionada ainda no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, regulamenta a produção orgânica no país. A partir da lei, diversas ações começaram a ser colocadas em prática para estimular a produção de alimentos orgânicos, como a criação, em 2007, do Sistema Brasileiro de Avaliação da Agricultura Orgânica e, principalmente, a instituição da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), em 2012, já no governo da ex-presidenta Dilma Rousseff.

No ano seguinte, o lançamento do 1º Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo 2013-2015) investiu cerca de R$ 2,5 bilhões, com 125 ações e beneficiando em torno de 600 mil agricultores. “O Plano é a concretização de muita luta e representa a articulação das diversas frentes que trabalham com a produção agroecológica e orgânica no país”, afirma a representante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

Atualmente, está em execução o 2º Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que abrangerá o período de 2016 a 2019, com programas e ações que tem como objetivo contribuir para o aumento da oferta. A meta é alcançar até um milhão de produtores agroecológicos, com assistência técnica e extensão rural.

“Os consumidores a cada dia têm mais preocupação com a qualidade de vida e uma alimentação saudável”, analisa Suiá da Rocha, destacando a relação entre oferta e demanda, responsável por existir hoje em torno de 600 feiras semanais de produtos orgânicos no país todo, além da maior entrada dos alimentos nos mercados. “Existem várias formas de comercialização, esse produto não fica parado, inclusive falta mais oferta, porque a demanda é muito grande.”

Compra garantida
Além do crescimento das feiras e do aumento das vendas nos mercados, os grandes incentivos à produção de alimento orgânico no Brasil são o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Ambos consistem em sistemas de compras institucionais do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS) e os produtos orgânicos podem ter um acréscimo de até 30% em seu valor. O PAA é exclusivo para agricultores familiares, enquanto no Pnae esse índice é de 30%. “São programas que privilegiam a agricultura familiar e, portanto, a produção de base agroecológica”, explica Suiá da Rocha, especialista em políticas públicas e gestão governamental da Sead. “É a garantia da venda. Esses produtos vão para bancos de alimentos e pessoas com insegurança alimentar, tendo como destino creches, orfanatos, asilos, restaurantes populares.”

Apesar da importância dos dois programas no estímulo à produção de alimento orgânico no Brasil, o governo de Michel Temer efetuou um corte de 30% no orçamento de ambos para 2017, em comparação com o orçamento de 2016. “É uma pena que o PAA tenha tido um corte de 30% na lei orçamentária desse ano”, avalia Suiá da Rocha, lembrando que já havia ocorrido corte em 2015, mas o de agora foi superior. Antes de 2015, o valor investido vinha sendo maior a cada ano. (Luciano Velleda, da RBA)