As transformações no clima acontecem de forma natural no planeta, mas, desde o século 18, essas alterações globais ocorrem em um ritmo nunca antes visto na história, impulsionada por países mais ricos e impactando sobretudo as populações vulneráveis
Por Fernanda Rosário, edição: Nadine Nascimento e imagem de Antonio Cruz/Agência Brasil, compartilhado de Alma Preta
Em 16 de março é comemorado o Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. A data foi instituída em 2011 pela Lei 12.533 para fomentar as discussões sobre o impacto das alterações do clima e promover ações e mobilizações em torno da redução de atividades poluidoras para o planeta.
As mudanças no clima têm sido assunto recorrente nos noticiários, diante do aumento de catástrofes e crises climáticas nunca antes vista em escala tão frequente. Estudos e pesquisas já indicam que as populações mais vulneráveis e as regiões mais pobres são as mais impactadas pelas alterações do clima.
Essas transformações no meio ambiente podem se dar de forma natural no planeta ao longo do tempo, como já ocorreu em outros momentos da história terrestre por meio de variações no ciclo solar, por exemplo. Entretanto, desde o século 18 e com as Revoluções Industriais, as atividades humanas, em uma economia baseada na emissão por queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), e o desmatamento são o impulsionador dessas mudanças.
As chuvas em Petrópolis, no Rio de Janeiro, neste ano ou as tempestades de poeira observadas em regiões do Brasil em 2021 fazem parte de fenômenos climáticos previstos para ocorrerem de forma ainda mais assídua em um mundo que não decida diminuir o seu potencial poluente.
De acordo com o geógrafo, ambientalista e estudante de mudanças climáticas Bruno Araujo, a principal diferença entre mudanças climáticas naturais e as antropogênicas – causadas pelos seres humanos – é a velocidade com que elas ocorrem.
“As mudanças climáticas naturais, em geral, são processos de longo prazo, de milhares e milhões de anos, o que permite às espécies de animais e plantas a adaptação às novas condições climáticas. Já as mudanças causadas pelas atividades humanas a partir da revolução industrial estão alterando o clima em apenas 250 anos”, pontua o geógrafo.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), há estudos que apontam que, desde o fim da última glaciação até 10 mil anos atrás, a tempetura média global subiu aproximadamente 5°C em 10 mil anos. Com o ritmo acelerado das transformações climáticas devido à atividade humana intensa sobre a natureza, os mesmos 5°C podem aumentar em apenas 200 anos. O professor Paul Crutzen, Prêmio Novel de Química em 1995, chegou a chamar os últimos 200 anos desde a Revolução Industrial como ‘antropoceno’, uma era dominada pelas transformações ambientais causadas pelos seres humanos.
Consequências irreversíveis
Em 2021 e começo de 2022, cidades da Bahia e Minas Gerais entraram em estado de emergência por conta das chuvas | Crédito: Gil Leonardi/Imprensa MG/Divulgação
A queima de combustíveis, seja na indústria, nos transportes ou na geração de energia, por exemplo, produziu um grande aumento de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, o que causa as mudanças observadas no clima. A Terra está 1,1 °C mais quente do que no final do século 19 e as últimas décadas foram as mais quentes registradas.
De acordo com projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), comitê de centenas de cientistas de todo o mundo que avaliam periodicamente o conhecimento científico sobre as mudanças climáticas, nos próximos 100 anos, pode haver um aumento de temperatura média global de até 4°C e um aumento do nível médio do mar de um metro.
Os prejuízos e as consequências causados por essa ação do homem na natureza são irreversíveis por décadas ou séculos, impactando diretamente a vida no planeta, como a extinção de espécies e a inundação da costa litorânea de diversas regiões do mundo.
De acordo com o relatório mais recente do IPCC, mais de 40% da população mundial é ‘altamente vulnerável’ às mudanças climáticas. Além disso, o relatório pontua que o aumento nos eventos extremos já levou a impactos irreversíveis, à medida que sistemas naturais e humanos são empurrados além de sua capacidade de se adaptar. A recomendação é de que a temperatura da Terra não aumente para além de 2°C, com a limitação mais próxima possível 1,5°C para evitar as piores catástrofes.
Segundo Natalie Unterstell, integrante do Política Por Inteiro e presidente da Talanoa – think tank dedicado a políticas ambientais -, algumas forças não poderão ser mais contidas numa escala de longuíssimo prazo.
“Isso é um dos aspectos mais doloridos presentes no relatório do IPCC lançado no ano passado. Alguns dos lugares e modos de vida que conhecemos no mundo de hoje serão transformados praticamente para sempre”, cita Natalie. É o caso do aquecimento do oceano, em que há muita alta confiança de que continuará a ocorrer e muita alta confiança de que será irreversível por séculos.
O geógrafo Bruno Araújo acredita que hoje precisamos adaptar as cidades, o campo e as nossas vidas às alterações que são inevitáveis e evitar o agravamento do cenário para condições catastróficas.
“Para isso precisamos parar de emitir gases de efeito estufa. Quanto mais tarde isso ocorrer, maiores serão os impactos. O que podemos interromper é a emissão de gases de efeito estufa imediatamente sob risco de tornar partes do planeta inabitáveis, provocando ondas migratórias, secas, enchentes, fome, pobreza, doenças e extermínio de boa parte da população planetária”, pontua o estudante de mudanças climáticas.
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As emissões dos mais ricos queimam o planeta
As emissões de gases que aceleram as mudanças climáticas vem de qualquer lugar do mundo, mas existem países que contribuem muito com essas emissões e populações que são muito mais impactadas. De acordo com o relatório ‘Desigualdade Mata’, publicado pela Oxfam, o 1% de pessoas mais ricas do mundo emitem mais do que o dobro de gás carbônico do que os 50% mais pobres do mundo.
Segundo o estudo, os países ricos são responsáveis por cerca de 92% de todas as emissões históricas excedentes. Além disso, há uma desigualdade significativa entre os países no acesso ao conhecimento e às tecnologias que são vitais tanto para a adaptação à crise climática quanto para a redução e prevenção de emissões de gases de efeito estufa.
“O que se pode afirmar com segurança é que os mais pobres, de todos os países, têm menor capacidade de se adaptar. Logo, são mais vulneráveis. Dentre eles, as mulheres são as que sofrem mais com desastres”, pontua Natalie Unterstell.
De acordo com o mais recente relatório do IPCC, os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes expuseram milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica, com os maiores impactos observados na África, na América Latina, na Ásia, nos pequenos países insulares e no Ártico. Além disso, de 2010 a 2020, a mortalidade causada por enchentes, secas e tempestades foi 15 vezes maior nas regiões mais vulneráveis do que nas menos vulneráveis.
O geógrafo Bruno Araujo pontua que nos interior da desigualdade entre os países, estão outras como a de classe e a de gênero, tendo em vista que a maior parte das pessoas pobres do mundo são mulheres e elas já respondem por 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas, de acordo com relatório do Women in Finance Climate Action Group. Também a de raça, o que potencializa o racismo ambiental, já que os lugares de maior risco de deslizamento, enchentes e catástrofes associadas às mudanças climáticas são ocupados por pessoas pretas.
“A verdade é que as mudanças climáticas encontram uma sociedade desigual, provocando impactos desiguais e potencializando tais desigualdades. Elas são mais um vetor de morte para populações pobres”, finaliza o geógrafo.