Muito Além das Garrafas: vídeo e crônica sobre um mundo melhor, com bar

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Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, Bem Blogado – 

Ao ver este tocante vídeo, logo fui buscar um texto que fiz sobre o bar da minha vida, sobre o Bar do Carlito ou Bar dos Artistas. Era jovem e inconsequente e o bar era o meu templo.  Templo e escola, pois era de bar com carteirinha e tudo.

Este vídeo, de Gilberto Amendola, me levou ao passado líquido e incerto do Bar do Carlito.




Sim, Gilberto, definitivamente, não queremos viver num mundo sem bar.

Vejam o vídeo e, logo abaixo, o texto que fiz há tempos sobre o bar que moldou o meu caráter e, acreditem, para o bem.

Muito Além das Garrafas

Já pertenci a uma tribo. A nossa aldeia ficava numa praça na Vila Maria, em São Paulo, e um bar era a nossa oca.

Sentados em volta de uma mesa ou na beira do balcão, a vida era celebrada. O cacique, que era o dono do bar, chamava-se Carlito e tinha um poder  especial para unir as mais diversas tribos à sua volta.

Neste verdadeiro conselho tribal, vivemos e vencemos várias batalhas.

Batalhas que faziam parte de tantas guerras que nem nós  sabíamos precisar quantas.

Guerras de consciência e de gerações, conflitos políticos e econômicos. Este último item, então, era uma batalha constante, pois nossos bolsos estavam quase sempre vazios.

Mas, o Carlito sempre dava um jeito de pendurarmos nossas continhas (modéstia minha). Não era por isso que sairíamos sóbrios.

Na falta de um adversário, às vezes, brigávamos, verbalmente, entre nós mesmos. Discutíamos por tudo. Desconfio até que alguns discordavam de opiniões só para dormir com mais uma discussão no currículo.

Nos bons tempos, o Carlito fechava o bar, mas ninguém saía.  Aí a coisa partia para a conspiração e as confidências giravam entre cúmplices.

A coisa ia até quatro, cinco horas da manhã, no máximo. Afinal, os compromissos nos esperavam. E sem compromissos como iríamos abater nossas contas, que muitas vezes mais pareciam prontuário de bandido famoso?

Mesmo sabendo que desta oca jamais sairíamos sem tomar uma e muitas outras, de vez em quando pagávamos a dolorosa. Fazer o quê? O Carlito tinha que sustentar sua família.

Amigos iam, amigos vinham, mas era batata encontrar sempre alguém para bater um papinho e tomar uma gelada tirada da Jandira (apelido que o Carlito deu ao freezer).

Se a casa estivesse frequentada por um desafeto, a solução era conversar com o mesmo e quebrar o gelo. Quantos amigos cultivamos desta forma…

E tinha o Carlito, espanhol que chegou ao Brasil com 12 anos para nunca mais voltar. Ficou também algo de seu sotaque. Só isso, pois o idioma espanhol esqueceu. Não deixava de falar cervessa, por exemplo.

Homem de bom humor, tirador de sarro, perdia o cliente, mas não a oportunidade de fazer uma brincadeira.

Dono de ótimo coração, apesar das duas pontes de safena, o Carlito ouvia todas as conversas ao seu redor. Às vezes, de acordo com a amizade, intervinha para acrescentar alguma tiradas bem humorada ou para dar uma “gossadinha” de nossa cara.

Dos 36 anos de existência do bar, o Carlito nos aguentou, pelo menos, 20.

E num reduto democrático, como todo boteco que se preza, falávamos de tudo e de todos, inclusive do próprio dono.

Pois é, já pertenci a uma tribo, onde nossos programas de índio eram feitos ou planejados na oca do Bar do Carlito, também conhecido como Bar dos Artistas (acho que porque fazíamos muitas artes)

Depois, um mudou, outro casou, outro morreu e o bar foi se esvaziando.

Ir lá, só para ficar nostálgico.  Alguns resistentes ainda frequentavam. Eu, traidor, fiquei com um pé numa canoa e outro em várias. Reconheço.

Percebi isso no dia em que paguei minha dolorosa e quase eterna conta. Paguei, não abati como fazia há anos e não abri outra. Lá se foi um péssimo, mas delicioso hábito. Querem coisa mais gostosa do que beber, comer, conversar e depois virar as costas e tchau, Carlito?

Carlito, nunca me despedi de você.  Não o fiz por ter a certeza de que você sempre está atrás do balcão, como nos velhos tempos. Na minha memória, pelo menos, você é eterno.

Saudades até de quando você nos expulsava, vendo as horas sumirem com nossos goles de cervejas.

Como quando você fingia não ter ouvido que era a saideira e, mesmo reclamando, colocava outra e mais outra, outra, outra….

O nosso Carlito foi para o balcão da eternidade em 1996, mas sempre estará ao nosso lado pelos bares da vida.

Amigos de bar e da Vida: primeira foto: Neri, Carlito, Guto e Washington;
Guto, Carlito, Ronaldo e Badão.  Atrás do Ronaldo, conferindo a conta, Oswaldinho

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