Muito além dos limites da fé

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook – 

Acabo de ver “Dois papas”, filme bonito, interessante, reflexivo, divertido e com diálogos promissores criados pelo roteirista e escritor neozelandes Anthony MacCarten, no meu caso, apenas para confirmar que, na base de toda a forma de arte, está a literatura.

Gente do contra certamente investirá contra o filme do diretor brasileiro Fernando Meirelles acusando-o de isso ou aquilo. A verdade é que o filme é emocionante e isso provoca a ira de muitos, o que é uma pena. Uma pena, mas parte da realidade.




Venho de uma família anarquista em que ouvi, durante toda a infância e parte da adolescência, a frase atribuída a Diderot: “último padre enforcado na tripa do último militar”. Aprendi que nem tudo está sujeito a generalizações, área de conforto para quem se dispõe a aceitar verdades definitivas e considera essa postura prova de robustez intelectual. Um homem de conhecimento, interessado nos fascínios do mundo, no entanto, não tem outra opção a não ser caminhar no fio da navalha.

De ambos os lados, à frente e atrás, o abismo ameaça com sua poderosa atração e o desafio é caminhar na afiada trilha entre mundos aniquiladores.

Para quem não viu o filme, com trilhas sonoras e diálogos adoráveis que vão do Abba aos Beatles, mesclados de boleros como o clássico mexicano “Besa me mucho” Dois Papas é um relato do percurso de dois papas atuais: o emérito, alemão, Bento 16 (o intelectualizado Joseph Aloisius Ratzinger) e Francisco (Jorge Mario Bergoglio) o 266º na sucessão de Pedro e o primeiro nascido na América, neste caso na América do Sul, mais especificamente na Argentina, torcedor do San Lorenzo.

Por que um filme sobre uma sucessão papal, assunto de interesse restrito a carolas e grupos religiosos cativa um público mais amplo, além do limites de uma fé duvidosa, com o interesse, desconfio eu, de salvar a pele quando chegar a data da travessia, com a acúmulo de patifarias & comportamentos indevidos?

Porque, de muitas maneiras, Bento 16, com sua ortodoxia teológica, e Francisco, com suas dúvidas e brandura, se mostram humanos, sujeitos a crises como cada um de nós que respira sobre a Terra. Ninguém é supra-humano e a cena da confissão de Bento 16 a Francisco é uma comovente demonstração dessa realidade.

Entre outras razões pelo fato de o papa emérito não ter suas palavras ouvidas, mas a cena imediatamente anterior sugerir de que se trata: de humanos, demasiado humanos, para tomar de empréstimo a expressão de Nietzsche.
Na vida real, Ratzinger, que compôs a juventude nazista, e Bergoglio, que atravessou a ditadura dos generais na Argentina tiveram, nesses ambientes de horror, modelado suas visões de mundo e, talvez, ambos injustamente julgados com a lógica fácil da sumariedade.

A cena de prisioneiros argentinos atirados ao mar, a bordo de aviões, continua com a perturbadora intensidade que sempre tiveram, independentemente do fluxo do tempo.

Para um mínimo de justiça é preciso reconhecer as interpretações primorosas de Anthony Hopkins, na pele de Bento 16, e Jonathan Pryce, como Francisco. Ainda que possa parecer, Dois Papas não é um documentário. Está longe disso. É uma criação, sobre o roteiro de MacCarten com direção refinada de Fernando Meirelles, trazendo mensagens que quem tem olhos saberá enxergar.

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