Mujica se Despede da Vida

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Por Ulisses Capozzoli, jornalista

Jose Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e personagem quase mitológica latino-americana anunciou nesta quinta-feira, em entrevista à revista local “Búsqueda”, na linguagem poético-filosófica que caracteriza sua fala, que “sinceramente, estou morrendo”. A frase completa que utilizou para descrever sua saúde debilitada e a perspectiva que tem pela frente é: “Terminou meu ciclo. Sinceramente, estou morrendo e um guerreiro tem direito ao seu descanso”.




Mujica, quem integrou o histórico grupo guerrilheiro “Tupamaro” fez o desabafo e pediu compreensão para sua condição de saúde na companhia de sua esposa e ex-vice-presidente do Uruguai, Lucia Topolansky.

Disse que o câncer de esôfago de que se tratou em longas e penosas sessões de radioterapia agora estendeu-se para o fígado e confessou que não está mais disposto a receber cuidados para continuar vivendo: “meu corpo já não aguenta mais” justificou numa fala tranquila, ao manos para a condição em que se encontra. “O câncer no esôfago agora me coloniza o fígado”, lamentou. “Não me resolvo com nada. Por que isso ocorre? Porque sou um ancião e porque tenho duas enfermidades crônicas” justificou-se no interior de sua casa, um sítio próximo a Montevidéu, capital uruguaia, aos 89 anos.

No início da tarde a médica pessoal de Mujica, Raquel Pannone, confirmara a metástese no fígado, detectada por imagens antes da colocação de um stent no esôfago no mês passado, segundo relato do jornal espanhol “El Pais”. Ela disse que certamente o político mais icônico de toda América, de sul a norte, e um dos mais expressivos numa liderança rarefeita de carisma em todo mundo, num momento caracterizado pela efemeridade/inconsistência, que o velho combatente represenou.

Com suas palavras doces e mágicas, mas também enérgicas e claras, como o som de violino. Ele disse estar “tranquilo com suas ocupações cotidianas ao abrigo interior da casa simples e acolhedora de que não se afastou, nem mesmo para ocupar o palácio presidencial quando presidiu o Uruguai. “Por quanto tempo estará assim?” se perguntou a médica para responder: “Não sei dizer. Primeiro porque ele tem 90 anos, segundo porque tem outras enfermidades e terceiro porque a evolução de sua saúde não é sempre linear”.

Em fins de abril de 2024 o ex-presidente rrelatou que sofria de um tumor no esôfago. Em seguida, evidências clínicas mostraram que a formação era um câncer que exigiu, entre maio e junho passados, 31 duras sessões de radioterapia. Essa situação acabou ampliada pelo fato de Mujica sofrer de problemas imunológicos havia mais de duas décadas, agravado por uma inflamação de vasos sanguíneos e insuficiência renal severa.

Os médicos atacaram o câncer, descreve Gabriel Campanella, do “El País”, mas a recuperação do velho paciente foi lenta e desconfortável, em particular pelas dificuldades de alimentação. “Minha saúde está melhorando, mas isso não é nada simples” relatou Mujica no final de outubro passado e se justificou: “Sou um ancião e a recuperação de um ancião é muito lenta” então, o que veio em seguida foi um período difícil, marcado por dificuldades de alimentação devido a uma fibrose no esôfago, que levou à colocação de uma sonda gástrica no mês seguinte, acompanhada de uma nova intervenção com a mesma finalidade, em dezembro.

Desta última vez esteve internado um par de dias antes de retornar ao seu sítio Rincón del Cerro, a poucos minutos do centro de Montevidéu.

A última aparição de Mujica em público foi em outubro, quando chegou de surpresa no encerramento da campanha do Movimento de Participação Popular a que esteve ligado, apoiando as forças de centro-esquerda que elegeram o atual presidente, Yamandú Orsi, ainda não empossado.

Na época disse: “sou um ancião que está a ponto de empreender a retirada para uma dimensão de onde não se retorna. Mas estou feliz por vocês, porque quando meus braços se forem, haverá milhares de outros braços na luta” a uma multidão que ouviu sua despedida em um silêncio emocionado.

Mujica, iconografia inseparável de seu velho fusca azul-claro com que se movimentava sem forças de segurança, mesmo quando ocupou a presidência da república, entre 2010/2015 é de muitas maneiras uma metáfora de seu país, o Uruguai, que já esteve integrado ao território brasileiro com a “Província Cisplatina”.

Manipulações geopolíticas argentinas, combinada a uma rarefação de forças herdada de Portugal, deram autonomia nacional àquelas terras onde se produz uva para vinho refinado, culinária sofisticada e gente simpática, acolhedora. De diálogo fácil e gentil, algo nem sempre evidente nas mais diversas formações nacionais.

Nos distantes anos 1960 o Uruguai era conhecido como uma “suíça-latino americana” por sua democracia, ainda que esteja longe da lógica economicista da Suíça real, com seus bancos que recolhem do ouro nazista ao dinheiro sujo da corrupção/bandistismo internacional. O que mudou a história uruuguaia foi um evento oriundo dos canaviais, mais especificamente das más condições de trabalho que caracterizam a periferia capitalista.

As lutas dos canavieiros com condições primitivas de vida fizeram emergir um líder, Raul Sendic, que tomaria assento imediato na esquerda armada da América Latina, desde sempre vampirizada pelo que agora é o neocolonialismo. Dessas lutas emergiram os Tupamaros (homenagem a Tupac Amaru, imperador inca imolado pelos espanhóis).

Os Tupamaros tiveram atuação cinematográfica contra governos insensíveis que desde sempre viçaram por aqui, com raras exceções temporais. José Mujica foi um personagem produzida por essa luta ancestral de trabalhadores por melhores condições de vida.

Uma vida vivida, não alienada. Mas esse é um assunto prá um outro dia.

Foto: Sob o arco-íris: Mujica e Chomsky, dois homens que personificam a civilização que ainda não consolidamos. Crédito: Jurandyr Britto

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