GERAL
Por Wilson Renato Pereira, jornalista, psicólogo e psicanalista
Dentre as maiores injustiças que se cometem contra as mulheres, em se tratado da cerveja, é achar que elas só servem para ornamentar as sensuais campanhas publicitárias das grandes cervejarias (não que eu não goste delas, as mulheres, bem dito!). Ou como “freio de mão” da população masculina chegada às brejas.
Ao contrário, as mulheres, historicamente, têm papel de destaque em se tratando da cerveja. E isso vem há uns seis mil anos, desde que a bebida foi “descoberta” na Suméria (região onde se localiza o atual Iraque). A importância da mulher era tanta que se dirigia a uma deusa, Ninkasi, oração que, na verdade, era uma receita de cerveja, a primeira que se tem notícia. Na época, fazer cerveja era uma tarefa feminina, assim como cozinhar e cuidar dos filhos.
Na Inglaterra antiga, onde as mulheres também tinham iguais responsabilidades, o excedente produzido pelas alewivespassaram a ser comercializadas e a gerar uma boa fonte de renda, originando as primeiras tabernas. Além dos equipamentos para fabricar cerveja fazerem parte dos dotes, como parte das cerimônias de núpcias as amigas se reuniam para preparar uma cerveja especial – a Bride-Ale – e a vendiam para arrecadar dinheiro para a noiva.
Outra importante contribuição feminina, foi o uso do lúpulo na fabricação dessa bebida, como resultado dos estudos da médica e abadessa Santa Hildegard von Bingen (1098-1179), que relatou as propriedades antissépticas desse ingrediente cervejeiro. Talvez, por isso, ela tenha vivido 81 anos, numa época que chegar a essa idade era incomum. Mas isso não era privilégio somente das católicas. A esposa de Martinho Lutero, Katharina von Bora, cervejeira de profissão, tinha fama de produzir uma ótima cerveja.
O domínio feminino na produção cervejeira só diminuiu no final do século XVIII, quando o “negócio” da cerveja multiplicou a presença masculina e grandes empresas surgiram, iniciando-se a produção em grande escala. Judith M. Bennett, professora de história na University Southern Califórnia, no seu livro Ale, Beer and Brewsters in England, registrou que a chegada das cervejas com lúpulo provocou a queda da importância das mulheres no processo de produção e comercialização da bebida, considerando-se que a cerveja tradicional na Inglaterra, a Ale, não continha lúpulo.
Hoje, as mulheres têm grande destaque na atividade cervejeira, inclusive porque respondem por cerca de 25% do consumo brasileiro. Atentos às mudanças de hábitos da sociedade, em especial à crescente participação feminina no mercado da bebida, os responsáveis pelas decisões de marketing têm proposto mudanças significativas no perfil de novos de produtos, com uso de mensagens mais sutis e sofisticadas.
No Brasil, existem muitas com alto grau de conhecimento sobre o assunto, entre elas as mestres cervejeiras e beer somellières Cilene Saorin, Kátia Jorge, Bia Amorim, Amanda Reitenbach e Fabiana Arreguy e as pesquisadoras de leveduras Fernanda Fregonesi e Gabriela Montandon. Grupos de mulheres também mostram sua forte presença como consumidoras montando confrarias destinadas exclusivamente a elas. Em São Paulo, existe a Maltemoiselles, no Rio de Janeiro, a FemAles e, em Belo Horizonte, a Confece.
Nos bares especializados em cervejas especiais, o número de mesas formadas apenas por mulheres tem se tornado cada vez maior. São consumidoras de qualidade e falam do assunto com muita propriedade. As mulheres estão também ocupando um mercado antes tipicamente masculino. O cálculo é que 30% das vagas nos cursos de beersommelliers em nosso país estão sendo ocupadas por elas.
Se você, cara leitora (vale pros marmanjos), começa a ter interesse no assunto, eis um pequeno roteiro para mergulhar no fantástico universo das cervejas de qualidade:
- Comecem pelo estilo Pilsen, uma cerveja mais leve e conhecida (mas, cuidado para não confundir esse estilo com a maioria dos produtos das grandes cervejarias que, na verdade, se assemelham mais a bebidas mistas tipo Light Lager, com bastante milho e arroz.)
- Depois, as cervejas de mais corpo, mas refrescantes, como as Weissbier, que levam trigo, cevada e possuem notas frutadas.
- Próximo passo: estilos que têm notável aroma e sabor de lúpulo, como o India Pale Ale.
- Em seguida, pode-se passar para as do estilo Porter, com notas intensas de chocolate e café.
- Finalmente, a degustação pode incluir as Fruit Lambic, cervejas que se harmonizam bem com sobremesas tipo bolo de chocolate e cheesecake, por exemplo.
Dito isso tudo, senhoras e senhoritas, mãos à obra. Ou à taça. Pesquisem bastante, mas não se esqueçam do slogan do movimento slowbier: “beba menos, beba melhor”. E mais: se forem dirigir, não bebam. Ein prosit!