Por Laís Martins* Lição de Casa, compartilhado de Projeto Colabora –
Desde março, a única criança com quem Tales, de 5 anos, tem contato é a irmã; isolamento total é para proteger avó de 74 anos
Desde março, a única criança com quem Tales Imamura, de 5 anos, tem contato é a irmã Ayla, de 2 anos. Eventualmente, o menino vê os primos por chamada de vídeo ou pelo portão de casa. Com tanto tempo sem ir à escola, o garoto pouco se lembra de colegas e professores, ainda mais porque quando as aulas foram suspensas pela pandemia ele era novato na unidade do Parque Maria Luiza, bairro da zona Leste de São Paulo,
Tales estudava de manhã e, na parte da tarde, ficava aos cuidados da avó, nos dias em que a mãe Anne Carinne Forte Lombardi, professora de Educação Física do Ensino Fundamental, dava aula. A avó, Divina Campos Forte, de 74 anos, mora com eles. Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais a família tem seguido o isolamento rigorosamente. “A gente pensa em pelo menos dar uma volta no bairro para espairecer, mas sair mesmo, não saímos”, conta Anne que é contra o retorno das aulas, principalmente, por causa da mãe idosa. “Se Tales vai para a aula e eu tenho que trabalhar na escola, minha mãe vai ficar mais suscetível a pegar a covid-19”.
A ausência da escola, para Tales, se mostra mais em ações do que em palavras, como explica a mãe do garoto, Anne, em conversa por telefone com a reportagem do Lição de Casa. Ela não sabe se Tales não fala sobre a escola por não se lembrar ou porque, costumeiramente, não é muito de falar. “Se ele falou três vezes [da escola] foi muito, [nesse período]”, conta a mãe. Até o ano passado, o menino estudava em um colégio particular, à espera de uma vaga na rede municipal. “Ele se lembra mais da escola antiga”, diz Anne. Quando perguntado sobre o que mais sente falta, Tales foi rápido: “de ir para o recreio”. Por ter chegado recentemente à escola, o garoto se confunde com os nomes dos colegas de sala.
Logo após a suspensão das aulas, a escola de Tales criou uma página no Facebook para enviar atividades às famílias dos alunos. Em junho, adotaram a plataforma online Google Classroom. Por um erro de cadastro nos dados de Tales, a família ficou impedida de acessar, problema que só foi solucionado em agosto. A realização das atividades propostas pela escola não foi tarefa simples. Muitas vezes o menino dizia que não queria fazer ou dava início, mas não terminava, relatou Anne. A mãe notou o filho mais triste e desobediente.
A mudança de ambientes – e de autoridade, que foi transferida da professora dele para os pais, ambos também educadores – tem sido um desafio na casa. “É difícil, porque aqui é totalmente diferente, então ele não tem o estímulo que tinha na escola”, afirma a mãe. O menino não entende que os pais agora têm a função de organizar as atividades escolares dele também. Alexandre Shinji Imamura, pai de Tales, e Anne estão trabalhando de casa, dando aulas para os alunos deles. Já são mais de 180 dias sem aulas presenciais. Para preencher o vazio da quarentena, jogos no celular também fazem parte do novo cotidiano – ora com o pai, ora sozinho.
Para Anne, falta diálogo entre gestores e comunidade escolar e os protocolos anunciados não condizem com a realidade do ensino público. “Não há estrutura, falta funcionário. De nenhum jeito há como voltar. Sem a vacina, não tem como”, fala, exemplificando um dos itens, que exige que os panos de limpeza sejam passados a ferro depois de usados. “A escola sequer dispõe de um ferro de passar”, comenta.
Municípios da região metropolitana, como o ABC Paulista, já bateram o martelo de que aulas presenciais só ocorrerão em 2021. Na capital, a prefeitura informou que a decisão sobre a educação infantil – e também sobre o ensino fundamental – só vai ser tomada em novembro. Renata Pietropaolo, professora da Educação Infantil na rede municipal de São Paulo, pondera sobre o lado pedagógico de retomar as aulas sob fortes restrições. “Não sabemos qual o papel da Educação Infantil num contexto em que não pode haver acolhimento com toque e colo”, diz, complementando que o aprendizado nessa fase se pauta na interação e experiência com si mesmo, com o outro e com o ambiente.
Foto: O pequeno Tales, de 5 anos, brinca sozinho em casa: meses de isolamento total para preservar avó (Foto: Arquivo pessoal)