Por Marcelo Auler, compartilhado de seu Blog
Na sua sanha de perseguição ao advogado Rodrigo Tacla Duran, o então juiz da Operação Lava Jato, Sérgio Moro, hoje senador (UB-PR), chegou a abrir mão de processar um dos supostos crimes de lavagem de dinheiro que o Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba apresentava contra o réu, para que o julgamento ocorresse na Espanha.
Duran, que foi acusado de ser operador da construtora Odebrecht, denunciou publicamente ter recebido um pedido de propina por parte do advogado Carlos Zucolotto, amigo e padrinho de casamento do ex-juiz Sergio Moro, quando começou a ser processado pela República de Curitiba no bojo da Operação Lava Jato. A partir de então começou a perseguição por parte de Moro.
A decisão de Moro embora possa até ser justificada com a busca de uma maior a objetividade da ação, não pode deixar de ser vista também como tentativa de prejudicar Duran. Como o réu tem dupla nacionalidade (brasileira/espanhola), o pedido da extradição dele feito por Moro não foi atendido, uma vez que o Brasil também não extradita seus cidadãos. Transferindo parte do processo para a Espanha, certamente Moro imaginou que o advogado acusado teria sua liberdade restringida naquele país. O que não aconteceu.
Ao abrir mão do da sua jurisprudência, deixando de julgar uma parte da denúncia feita pelo MPF da chamada República de Curitiba, Moro acaou surpreendendo juristas. Ouvidos pelo Blog, trêrs advogados experientes consideraram um ato inusitado e insólito. Alegam que jamais se verificou algo parecido. Para um desses experientes criminalistas, Moro fez algo mais do que abrir mão de sua jurisprudência. Na verdade, abriu mão da soberania brasileira em um processo.
Moro abriu mão do caso após receber denúncia
O surpreendente foi ter ocorrido com Moro, que chegou a avocar para Curitiba casos que não tinham relação com a sua jurisdição. Foi o que aconteceu com ações da Operação Lava Jato – inclusive contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – as quais, muito tempo depois, foram redistribuídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para juízos de outras cidades.
Ao revogar a prisão preventiva que Moro tinha decretado contra Duran em 2017, o juiz Eduardo Appio, novo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, também revogou o despacho do seu antecessor remetendo o processo contra Duran para a Espanha.
No Ofício nº 700013722925, encaminhado ao Coordenador Geral da Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Appio expôs:
“Dirijo-me a Vossa Senhoria para comunicar a revogação da decisão proferida no evento 41 do presente processo, por meio do qual foi determinada a transferência parcial às autoridades do Reino da Espanha do processamento da acusação formulada nestes autos contra Rodrigo Tacla Duran, na parte que envolve as operações relativas AM offshore Vivosant Corp S/A.
Assim sendo, e considerando solicitação anterior deste Juízo (feita por meio do ofício nº 70004744622), solicito a Vossa Exa. As providências necessárias para que a presente informação, acompanhada da decisão anexa, seja transmitida com a máxima urgência, visando evitar crime de abuso de autoridade, às doutas autoridades espanholas”.
Nesta ação em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba – Ação Penal Nº 5019961-43.2017.4.04.7000/PR – os procuradores da República da Lava Jato denunciaram supostos crimes de lavagem de dinheiro cometidos por Duran. Alegava-se que eram verbas repassadas pelas empreiteiras Odebrecht e UTC, resultantes dos contratos assinados com a Petrobras. Valores que, segundo a denúncia, destinavam-se a agentes públicos (propina).
A acusação apontava que as verbas que partiram da UTC circularam em bancos no Brasil, mas as que tiveram origem nos contratos da Odebrecht percorreram bancos no exterior, notadamente no Panamá, Singapura e na Espanha.
A denúncia foi aceita por Moro em 29 de maio de 2017. Duran já estava em solo espanhol. A sua extradição foi pedida e negada pelo governo de lá. O juízo tentou citar o acusado, mas foi incapaz de localizar seu endereço. Isso fez que o Ministério Público Federal pleiteasse que “a parte da imputação relativa aos pagamentos envolvendo a Odebrecht seja transferida à jurisdição espanhola”.
Na decisão, Moro citou que Duran foi acusado de lavar cerca de USD 12 milhões, “entre 14/09/2010 e 28/10/2010, que foram transferidos para contas de offshore, uma delas a Vivosant Corporation S.A., mantida no Banco Pictet & Cilt, agência de Singapura, controlada por Rodrigo Tacla Duran. Por a sede de a empresa Vivosant ser na Espanha foi que decidiram repartir a Ação Penal em duas, deixando a parte ligada à verba que saiu da Odebrecht ser apreciada no judiciário espanhol.
Moro alegou ao decidir por abrir mão da sua jurisdição nesse caso – repita-se, o que ele jamais havia feito antes – estar respaldado no art. 22 do Tratado de Cooperação e Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha.
“O Juízo não pode renunciar à própria jurisdição”
Ao deparar-se com a decisão, o juiz Appio alertou que “uma vez recebida a denúncia e regularmente angularizada e estabilizada a relação processual penal ante a justiça brasileira (13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba) não se pode admitir, a título de aditamento (princípio da oficialidade) a renúncia (mesmo que parcial) de uma atribuição constitucional deferida ao Ministério Público Federal brasileiro”.
Ele ainda expôs, sem citar seu antecessor em momento algum:
“O Juízo local também não pode renunciar à própria jurisdição em delitos econômicos transnacionais. A Justiça Federal brasileira tem plenas condições de julgar e processar estes crimes transnacionais”.
Apontou ainda a incoerência do MPF ao buscar respaldo para seu pedido no art. 21 da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado, pois esta menciona que um dos seus objetivos é “centralizar as jurisdições”. Appio conclui: “Ora, foi feito exatamente o oposto (cisão do processo)”.
Lembrou, por fim, que o réu sequer foi ouvido a respeito da decisão, o que ofende o devido processo legal uma vez que, como disse, “as garantias constitucionais do acusado lhe asseguram seja ouvido antes de tão grave e impactante decisão judicial acerca da renúncia parcial da jurisdição brasileira”.
Ao tomar as duas decisões – a revogação da prisão preventiva (Juiz revoga prisão de Tacla Duran e aponta abusos da Lava Jato) e a suspensão da transferência de parte do processo – o novo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, em crítica velada a seu antecessor, jamais citado nas decisões, ressaltou a necessidade do respeito à Constituição e ao Estado Democrático de Direito, recentemente ameaçado pelos bolsonaristas.
“É chegado o tempo do Renascimento das garantias dos princípios constitucionais cultivados, com cuidado (porque frágeis ante a força policialesca do Estado) e os recentes eventos históricos de 8 de janeiro em Brasília renovam a sua importância prática”.
O pedido de revogação da prisão preventiva foi apresentado pela defesa de Duran bem antes de o ministro Ricardo Lewandowski suspender a Ação Penal em que ele é réu. A suspensão foi decorrência de a Segunda Turma do STF ter anulado as provas que a Força Tarefa da Lava Jato da República de Curitiba tinha coletado no Sistema Drousys, utilizado pela empreiteira Odebrecht.
Independentemente da suspensão do processo, a decisão de Appio, um juiz reconhecidamente garantista, pelo que se depreende da sua justificativa, seria a mesma – revogar o mandato de prisão. Isso fica claro quando, no seu despacho, ele lembrou que:
“A prisão cautelar é medida excepcional no ordenamento brasileiro.
A presunção é de INOCÊNCIA e não o inverso.
Inverter a presunção de inocência significa, na prática, erodir os mais comezinhos princípios jurídicos de caráter civilizatório, impondo ao cidadão comum um dever de autovigilância permanente que pode, na melhor das hipóteses, conduzir a graves problemas psíquicos dos afetados pela ação do Estado e, na pior das hipóteses, na aceitação de um Estado de matriz policialesca/totalitária.
Nesse sentido, verifico que o MPF, em sua força tarefa, não teria zelado pela cadeia de custódia da prova, como revelam os diálogos da Vazajato – a qual teve a sua autenticidade atestada pelo Supremo Tribunal Federal. Como revelado havia uma rede subterrânea de comunicação, digna de filme de espionagem, através da qual se selecionavam provas e alvos a serem atingidos, bem como quem seriam os juízes das causas criminais segundo as preferências da acusação (que é parte no processo).
O cidadão Tacla Duran, como qualquer outra pessoa, merece e tem o direito constitucional de receber do Estado brasileiro uma jurisdição serena, apolítica e republicana, na qual os dois pilares fundamentais são a certeza do conteúdo da acusação (para que possa se defender), bem como plena isenção dos agentes de Estado (juízes, procuradores, policiais e demais protagonistas)”.