“Na política ninguém perde a guerra”, diz Fernando Haddad

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Publicado em Jornal GGN

“Não existe a guerra, com começo, meio e fim. É só batalha. Uma atrás da outra”

Jornal GGN – Para Fernando Haddad a comparação entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com Jair Bolsonaro, eleito nas eleições presidenciais brasileiras não é perfeita.
“A extrema direita dos EUA não tem nada a ver com a brasileira. Trump é tão regressivo quanto o Bolsonaro. Mas não é, do ponto de vista econômico, neoliberal. E o chamado Trump dos trópicos [Bolsonaro] é neoliberal”, ponderou em entrevista à Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo.
O ex-ministro da educação e ex-prefeito de São Paulo, vencido no segundo turno das eleições presidenciais com 45% dos votos válidos, reflete que o apoio de Trump a Bolsonaro acontece por uma questão de estratégia geopolítica.
“Ele precisa que nós sejamos neoliberais para retomar o protagonismo no mundo, e tirar a China. Está havendo, portanto, um quiproquó: os EUA negam o neoliberalismo enquanto não nos resta outra alternativa a não ser adotá-lo”, explicou completando que a crise mundial resultou na desaceleração do crescimento econômicos dos países latino-americanos e, consequentemente, na crise fiscal enfrentada na região.
“No continente todo houve a ascensão de governos de direita —no caso do Brasil, de extrema direita”.
Haddad alerta que previa a onda de extrema-direita há dois anos, quando os EUA já demonstravam o fortalecimento do comportamento nacionalista a medida em que aumentava a preocupação com as plantas industriais perdidas para China.
“Eu dizia: ‘Existe uma onda que tem a ver com a crise [econômica] de 2008, que é a crise do neoliberalismo, provocada pela desregulamentação financeira de um lado e pela descentralização das atividades industriais do Ocidente para o leste asiático’ (…) E a resposta foi [a eleição de Donald] Trump. Isso abriria espaço para a extrema direita no mundo”, pontuou.
Haddad completou que o professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, deu um nome para o fenômeno contemporâneo: “sistemas híbridos”.
“Ditadura e democracia eram conceitos bem definidos. Os golpes se davam de fora da democracia contra ela. Hoje, o viés antidemocrático pode se manifestar por dentro das instituições (…) Quando um presidente eleito vem a público num vídeo dizer que os estudantes brasileiros têm que filmar os seus professores e denunciá-los, você está em uma democracia ou em uma ditadura?”.
Sobre o Partido dos Trabalhadores, Haddad disse que continua apostando que a sigla será a principal representante da centro-esquerda no país.
“O PT elegeu uma bancada expressiva, quatro governadores, fez 45% dos votos no segundo turno, 29% no primeiro. É até hoje o partido de centro-esquerda mais importante da história do país”, apontou rebatendo a afirmação de Mônica Bergamo de que o PT não abre mão da hegemonia:
“O PT é um player no sentido pleno da palavra. É um jogador de alta patente, que sabe fazer política. Sabe entrar em campo e defender o seu legado (…) O próprio Lula considerava o [então governador de PE] Eduardo Campos candidato natural para receber apoio do PT em 2018, se tivesse aceitado ser vice da Dilma [em 2014]”, completou avaliando que o partido teria ganho facilmente com Lula na disputa: “Eu fiz 45% dos votos [no segundo turno]. Ele teria feito mais de 50%”.
Já, Bolsonaro, foi beneficiado pelo atentado “que deu a ele uma visibilidade maior do que a soma de todos os outros candidatos” e pela “intensa mobilização de recursos não contabilizados para o disparo de notícias falsas sobre mim”, reforçou Haddad, arrematando com a estratégia do militar da reserva em não participar dos debates.
“Penso que teria sido importante que os democratas tivessem se unido no segundo turno”, refletiu.
Sobre esse último ponto, da falta de união de uma frente democrática contra o avanço da extrema-direita que levou à eleição de Bolsonaro, Haddad voltou a falar que o posicionamento de Ciro Gomes e FHC teria sido fundamental.
“Olha, eu não consegui falar com o Ciro até hoje. Sobre ele e o Fernando Henrique Cardoso [que também se recusou a dar apoio ao PT], eu diria, a favor deles: os dois tinham três governadores [em seus próprios partidos] disputando a eleição fazendo campanha para o Bolsonaro. O PDT [de Ciro] é um partido de esquerda, “pero no mucho””.
Haddad contou que também tentou falar com o irmão de Ciro, Cid Gomes, mas não conseguiu, por outro lado manteve diálogo com o partido dos irmãos Gomes, o PDT, além do PCdoB e PSB.
“É obrigação nossa conversa. Entendo que devemos trabalhar em duas frentes: uma de defesa de direitos sociais, que pode agregar personalidades que vão defender o SUS, o investimento em educação, a proteção dos mais pobres. A outra, em defesa dos direitos civis, da escola pública laica, das questões ambientais”, propôs.
Ao ser questionado sobre a dificuldade de o PT liderar essas frentes, Haddad rebateu que não se trata de “uma questão de liderar”:
“O PT tem que ajudar a organizar. No Brasil está sendo gestado o que eu chamo de neoliberalismo regressivo, decorrente da crise econômica. É uma onda diferente da dos anos 1990. Ela chega a ser obscurantista em determinados momentos, contra as artes, a escola laica, os direitos civis”.
Sobre os planos de governo de Bolsonaro, o professor ponderou que tudo aponta para a continuidade da agenda do presidente Michel Temer, porém mais “radicalizada”.
“Essa agenda não passa no teste da desigualdade. Tem baixa capacidade de sustentação. Mas, acoplada à agenda cultural regressiva, pode ter uma vida mais longa. Pode ter voto. Teve voto”, lembrando que a pauta reacionária cria, “inclusive ficções”:
“Eu permaneci à frente do MEC por oito anos. As expressões ‘ideologia de gênero’ e ‘escola sem partido’ não existiam. Era uma agenda de ninguém”.
Para Haddad, a durabilidade do governo Bolsonaro irá “depender de muitos fatores”:
“Do quanto um eventual aumento da desigualdade no Brasil vai ser compatível com a agenda regressiva que mantém o governo no protagonismo do debate cultural do país. Haverá a tentativa de compra de tempo pela alienação de patrimônio público, seja o pré-sal ou as estatais. Com dinheiro, você ganha tempo para consolidar uma base política para promover as reformas liberalizantes”.
Porém, arrematou, para o projeto de governo de Bolsonaro vingar, dependerá “da habilidade de aprovar as reformas liberalizantes no Congresso, do sucesso dos leilões do pré-sal. E da não eclosão de uma crise internacional”. Para ler a entrevista na íntegra, clique aqui.

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